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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Latifúndio e barbárie



No último dia 6 de setembro, vésperas da Independência do Brasil, o latifúndio fez tombar mais um trabalhador rural. Desta vez, a vítima foi Leonardo de Jesus Leite, 37 anos, casado, pai de dois filhos, residente no povoado de Mandassaia, município de Monte Santo (BA). Ele pertencia ao Movimento de Trabalhadores Assentados Acampados e Quilombolas (CETA), e há onze anos lutava, ao lado de um grupo de trabalhadores rurais, pela desapropriação de uma área de terra na Fazenda Jibóia, município de Euclides de Cunha (BA).

Leonardo de Jesus é mais um que chega para engrossar a vergonhosa cifra da violência no campo, que há séculos ensanguenta o solo brasileiro, em decorrência da concentração fundiária.

A concentração da propriedade da terra tem acompanhado a história do Brasil, desde os tempos coloniais. As capitanias hereditárias deram origem às sesmarias e estas, por sua vez, deram lugar aos atuais latifúndios. O Brasil, ao longo dos seus 500 anos de ocupação, passou por transformações de todas as ordens, menos no que diz respeito ao sistema fundiário. Uma breve retrospectiva nos mostrará que o Brasil, neste aspecto, se caracterizou, até hoje, como um país extremamente arcaico, conservador e iníquo.

Depois do fracasso do sistema de sesmarias, o país conheceu, em 1850, a chamada Lei de Terras.  Por esta Lei, as terras, antes propriedade da Coroa, se converteram em mercadoria e passaram a ser regidas pela lógica do mercado. A medida fez com que a terra continuasse nas mãos dos ricos, pois somente estes tinham dinheiro para adquiri-las.  Os camponeses, os escravos libertos e os imigrantes pobres que chegassem ao Brasil, estariam privados do acesso à propriedade da terra. Esse quadro marcará de forma substancial toda fase imperial, sobretudo o segundo reinado. Só para se ter uma ideia, o mesmo sistema que em 1888 aboliu a escravatura, não foi capaz de pôr fim à concentração fundiária.

A República rompeu os laços da Monarquia, desfez a unidade que atrelava Igreja e Estado, injetou ideias novas na política brasileira, estabeleceu o federalismo e com ele a autonomia dos estados e municípios, mas não introduziu nenhuma alteração no que diz respeito ao sistema fundiário. Ocorreu justamente o contrário: com a proclamação da República, as elites agrárias saíram mais fortalecidas. Caso emblemático é o da chamada República do “café com leite”, que dominou o cenário político brasileiro nos primeiros 40 anos de regime republicano.

Nos anos de 1960, com as chamadas Reformas de Base, do governo João Goulart, ensaiaram-se algumas mudanças na estrutura fundiária brasileira. As Reformas de Base previam, entre outras coisas, a desapropriação das áreas rurais superiores a quinhentos hectares, que se situassem às margens de estradas federais numa faixa de dez quilômetros; assim como áreas superiores a trinta hectares, marginais dos açudes e obras de irrigação financiadas pelo Governo. Isso significava o início de um processo de transformação mais profunda no âmbito da velha estrutura fundiária brasileira.

Em 1964 veio o golpe militar e, com este, o fim do governo Jango e das reformas de base.

A ditadura fez arrefecer as iniciativas de reforma agrária, permitindo-se que a concentração da terra se acentuasse ainda mais.  A máquina estatal, posta a serviço dos poderosos, foi usada para consolidar e proteger, com seu aparato policial, a estrutura latifundiária.

A partir do Governo Sarney, já na chamada Nova República, o tema da Reforma Agrária foi retomado pela agenda oficial, mas pouco se fez concretamente. Apesar dos avanços operados nesses últimos anos, a politica de redistribuição fundiária ainda é muito tímida. Os governos parecem impotentes diante do “monstro” do latifúndio! E não é para menos! Não nos esqueçamos de que parcela considerável do Parlamento e do Executivo (os responsáveis diretos pela redefinição da política fundiária) é ocupada por grandes latifundiários.

Contudo, a luta pela terra nunca esmaeceu. Muito pelo contrário: ela só tem se fortalecido. E é a esta luta que nós tributamos as diversas experiências de reforma agrária existentes neste país. Mas isso tem custado o sangue de muita gente. Os conflitos de terra seguidos de assassinatos de trabalhadores vêm se acentuado a cada dia. O último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revela que em 2010, no Brasil, foram assassinadas 34 pessoas em conflitos no campo –  30% a mais do que no ano anterior, quando foram mortos 26 agricultores. Só na região de Monte Santo foram registrados, nos últimos três anos, 05 (cinco) assassinatos de trabalhadores rurais na luta pela terra.

Senhor do Bonfim – Bahia

Por: José Gonçalves do Nascimento - Filósofo e poeta
jgoncalvesnascimento@hotmail.com