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sábado, 16 de junho de 2012

NOTAS ACERCA DA EMANCIPAÇÃO DE SENHOR DO BONFIM



 
Parece de bom alvitre trazer à discussão a data do 28 de maio, que habitualmente é festejada, como se fosse a da emancipação política e administrativa do município de Senhor do Bonfim.

Ora, a emancipação de Senhor do Bonfim ocorreu quando o antigo Arraial da Tapera foi elevado à condição de vila, dando origem a Villa Nova da Rainha, desmembrada da Vila Velha de Jacobina. Isso se deu em 1º de outubro de 1799, conforme o Auto de criação e instalação da referida vila, transcrito por Lourenço Pereira da Silva, no livro: Memória Histórica e Geográfica sobre a Comarca do Bonfim. Bahia: Typografia Reis & C., 1915, pp. 81-82. Lê-se no memorável Auto: “Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e nove, primeiro dia do mês de outubro do dito ano, neste arraial do Senhor do Bonfim da Tapera e casa onde se acha aposentado o doutor José da Silva Magalhães, desembargador de sua Majestade Fidelíssima (...) donde eu escrivão de seu cargo no adiante nomeado me achara, e sendo aí mandou vir a sua presença e nela ajuntar por anteriores pregões dados em voz alta por todo o arraial, pelo porteiro Francisco Dias da Silva, a nobreza do povo não somente do arraial, mas também de toda a freguesia, e sendo presentes lhes propôs que ele se achava autorizado em nome da sua Majestade Fidelíssima pelo Governador Capitão General da cidade da Bahia, dom Fernando José de Portugal, para a criação da Vila que se mandara estabelecer nesse mencionado arraial, em virtude da representação do povo”.

Como parte desse processo, foi criada também a Câmara de Vereadores, órgão máximo da administração municipal, tanto na Colônia como no Império. Era a Câmara que garantia a autonomia do município. A ela cabia o duplo ofício de legislar e de administrar a cidade. Foi assim desde os primórdios da história do Brasil até a proclamação da República, quando surge a figura do intendente ou prefeito, que passa a assumir a tarefa administrativa, como chefe do executivo municipal. Além da Câmara de Vereadores, dita vila foi dotada também de juiz ordinário, juiz de órfãos e procurador.     

Ali estava consolidada, de uma vez por todas, a autonomia política e administrativa de Senhor do Bonfim, em que pese o Brasil achar-se ainda sob a tutela da coroa lusitana.

O que efetivamente ocorreu em 1885, quase 100 anos depois daquele histórico acontecimento, foi a elevação da vila ao status de cidade – o que nada mais era do que um título honorífico – não acrescentando, no caso em apreço, outra coisa de substancial, afora a mudança de nome da comuna, de Villa Nova da Rainha para o “auspicioso” Senhor do Bonfim. Fora disso, a cidade continuaria a mesma, com a mesma estrutura político-administrativa de um século atrás.  

Lembro-me, a propósito, de trecho do romance histórico O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, em que diante da notícia de que a vila de Santa Fé seria transformada em cidade, o capataz Fandango diz ao líder local, Licurgo Cambará: “A Assembleia resolveu que agora Santa Fé é cidade. Todo mundo fica louco, a festança começa, é sino, viva e foguete. Mas me diga, cambiou alguma coisa? Nasceu alguma casa nova, alguma rua nova, alguma árvore nova só por causa do Decreto? Não. Pois é...”.

As indagações do personagem do romance gaúcho não seriam aplicáveis também a Senhor do Bonfim?
                        
É válida e até imperiosa, a comemoração do 28 de maio, contanto que não se fuja do significado da data. Não é razoável e poderá causar sérios danos à memória histórica de Senhor do Bonfim a celebração do tal dia como se fosse o da emancipação da próspera e hospitaleira Terra do Bom Começo. Urge, então, a bem da verdade, que se corrija o grave equívoco e a escola é o espaço ideal para se encetar essa indispensável empreitada.

É igualmente necessário que se inclua o 1º de outubro no calendário local de comemorações, fixando a data como referência maior da luta pela independência política do Município e garantindo à mesma toda a  solenidade que lhe é devida, por força da sua importância cívica, histórica e cultural.

Desta forma, estaremos fazendo justiça à história de Senhor do Bonfim e ao mesmo tempo contribuindo para a valorização e reconhecimento a todos aqueles e aquelas que, de alguma forma, colaboraram com a construção e engrandecimento desta terra que foi, é e será o orgulho da Bahia.


José Gonçalves do Nascimento
Presidente da Academia de Artes e Letras de Senhor do Bonfim – ACLASB.