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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

CANUDOS: 115 ANOS DE UM MASSACRE






No final do século XIX, poucos anos após a proclamação da República, o sertão da Bahia foi palco de um dos mais extraordinários exemplos de insubordinação popular que a história brasileira já registrou: o arraial de Canudos, ou Belo Monte. 

Fundada pelo beato cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, e ostentando como regra capital o trabalho e a oração, a comunidade de Canudos converteu-se, em pouco mais de três anos, num dos maiores centros populacionais do sertão da Bahia, sendo responsável, inclusive, por sua autosustentação. Relatos da época dão conta do alto nível de prosperidade a que chegou o arraial conselheirista. Constatou Nina Rodrigues, em 1897, que Antônio Conselheiro havia, em curto prazo, elevado Canudos "de estância deserta e abandonada em uma vila florescente e rica". Manuel Benício, testemunha ocular dos fatos, notou que "às margens frescas do rio [o Vaza Barris que banhava Canudos], eram cultivadas plantações de diversos legumes, milho, feijão, favas, batatas, melancias, jerimuns, melões, canas, etc... os pequenos cultores da terra possuíam sítios, pomares, fazendolas de criação de bode, animais vacuns e cavalares". A pecuária, com acento na caprinocultura,  assumia tamanho papel na economia do Belo Monte que um importante político da época, o deputado César Zama, chegou  a afirmar que "aquela povoação proporcionava ao Estado pingue fonte de receita do imposto de exportação sobre peles". Nos anos quarenta do século passado, Manuel Ciríaco, ex-morador do arraial, contou ao jornalista Odorico Tavares, da revista O Cruzeiro, que "no tempo de Antônio Conselheiro havia de tudo, por estes arredores... Até cana de açúcar de se descascar com a unha nascia bonitona por estes lados. Legumes com abundância e chuvas à vontade". Outro remanescente de Canudos, Honório Villa Nova, não conseguia esconder a nostalgia, quando o assunto era o cotidiano do Belo Monte: "Grande era o Canudos do meu tempo [disse ele a Nertan Macedo]. Quem tinha roça tratava de roça. Quem tinha gado tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de rezar ia rezar". Este conjunto de informações oriundas de pessoas de dentro e de fora de Canudos dá uma dimensão aproximada do quão importante foi  a comunidade canudense, do ponto de vista político, social e econômico.

As elites brasileiras, contudo, não viram com bons olhos a experiência de Canudos. No final de 1896, acusando os conselheiristas de insubordinação contra a República, o Estado Brasileiro declara guerra à "aldeia sagrada" dos sertanejos. Para exterminar o arraial, tido como monarquista, o Governo Federal, com o apoio da Igreja Católica e dos fazendeiros, mandou ao sertão da Bahia nada menos que quatro expedições militares, totalizando-se um contingente de cerca de doze mil homens em armas, mais da metade do efetivo do Exército, naquele momento. A capacidade bélica dos sertanejos, inicialmente subestimada, surpreendeu os adversários. A cada batalha travada, as forças legais sofriam novas baixas e o poder de fogo dos canudenses saía fortalecido. As três primeiras expedições, que juntas totalizavam mais de dois mil soldados, foram fragorosamente esmagadas.

As sucessivas derrotas puseram em pânico o Governo da República que passou a ver em Canudos um perigo cada vez mais real e assustador. Impunha-se, portanto, que se tomassem medidas mais enérgicas. Afinal de contas – acreditava-se – era o destino da República que se encontrava em jogo. O Governo não tardou e uma nova expedição foi mandada às terras sertanejas, desta feita com quase dez mil soldados, além dos reforços posteriores. As elites, então, puderam respirar aliviadas. Canudos, finalmente, estava liquidado. No conflito, morreram cinco mil soldados e todos os habitantes do Belo Monte, estes últimos estimados em quinze mil almas. Deste modo, Canudos entrou para a história como o maior e mais violento massacre já ocorrido em terras brasileiras.

Ao fechar sua obra maior – Os Sertões – livro em que narrou o episódio de Canudos, o ensaísta Euclides da Cunha assim se expressou: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”. Era a constatação, por parte de um membro da elite letrada do Brasil, de que o extermínio material de Canudos não implicava necessariamente no extermínio da utopia de Antônio Conselheiro. Canudos, de fato, não morreu. E como diz o poeta, ele “está vivo na união, tá na fé no coração/ Tá no homem, na mulher/... tá na terra na alegria/no amor, na rebeldia”.

José Gonçalves do Nascimento
Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim - ACLASB

CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UM NOVO CONCEITO DE GESTÃO




Os chamados consórcios públicos foram criados pela Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e regulamentados pelo Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, ambos federais, como resultado de um novo conceito de gestão dos serviços públicos, que aos poucos vem sendo consolidado.

A Emenda Constitucional nº19/98 já acrescentava tal instituto à redação do artigo 241 da Constituição Federal de 1988, ao dizer que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos”.

De natureza voluntária, uma vez que os municípios estão livres para acatá-los ou não, os consórcios públicos nada mais são do que parcerias estabelecidas por dois ou mais entes da federação, tendo por objetivo discutir e promover políticas e ações de interesse comum. Têm caráter de “associação pública com personalidade jurídica de direito público e de natureza autárquica ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos”. (Art. 2º, I, Dec. 6.017/07).

Os consórcios são ferramentas da mais alta relevância no processo de otimização e melhoria da prestação de serviços públicos, permitindo-se que entes federados se empenhem conjuntamente na consecução de obras de alcance local e regional, como aquelas relacionadas a esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, infraestrutura, saúde, educação, abastecimento de água, convivência com a seca, dentre outras. Os consórcios se propõem, também, a viabilizar a gestão pública em regiões metropolitanas, bacias hidrográficas, pólos regionais, etc. – locais onde, forçosamente, a solução de problemas comuns só pode ser efetivada através de políticas e ações igualmente comuns.

A forma de gestão consorciada torna possível a execução de iniciativas que a mor parte dos municípios brasileiros não teria condições de viabilizar, caso agisse isoladamente, a exemplo da aquisição de equipamentos de alto custo e do desenho e manutenção de políticas que demandam altas somas de recursos.

A articulação via consorciação pública pode, ainda, forjar melhores condições de negociação dos municípios consorciados junto aos governos estadual e federal (ou junto a entidades da sociedade, empresas ou agências estatais), fazendo com que tais municípios adquiram mais poder de pressão e, consequentemente, maior capacidade de captação de recursos financeiros, podendo, destarte, incrementar quantitativa e qualitativamente os serviços públicos oferecidos aos cidadãos e cidadãs.

Efetivamente, os consórcios públicos representam a melhor experiência no que se refere às lentas, porém importantes, mudanças ocorridas no âmbito das gestões local e regional. E, sem sombra de dúvidas, terão muito a contribuir com os municípios brasileiros e baianos na construção e consolidação de políticas públicas cada vez melhores e mais eficientes.

 “O efetivo uso dos consórcios públicos e da gestão associada de serviços pode ser instrumento poderoso para o enfrentamento da nova agenda federativa, em especial a agenda das cidades e do desenvolvimento regional”, assevera a professora Maria Raquel M. A. J. de Amorim, da Universidade Católica de Goiás.


José Gonçalves do Nascimento
Secretário Executivo do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável do Piemonte Norte Itapicuru – CDS/TIPNI.