Estará enganado quem vier a pensar que a posição da mulher no curso da história foi sempre de passividade e silêncio. O próprio 8 de março nasceu do protagonismo feminino, tendo sua origem na cidade de Nova Iorque, em 1857, quando uma manifestação contra as más condições de trabalho numa indústria de tecidos resultou no massacre de dezenas de mulheres trabalhadoras.
No Brasil e na Bahia inúmeras foram as vezes em que as mulheres, não satisfeitas com o estado de indiferença e apatia a que eram relegadas pela cultura machista, fizeram valer sua coragem e determinação, tomando parte em acontecimentos que se tornariam decisivos no processo de construção da história nacional.
Três episódios da vida brasileira são particularmente emblemáticos no que tange ao protagonismo feminino. São eles:
I. Guerra de Independência da Bahia – Travada contra os portugueses no primeiro quartel do século XIX, nela figuraram heroicamente a religiosa Joana Angélica – morta barbaramente à porta do convento; a soldado Maria Quitéria – alistada como voluntária para lutar junto ao exército nacional e a negra Maria Felipa, que à frente de um grupo de outras mulheres valorosas comandou forte resistência na Ilha de Itaparica, incinerando dezenas de embarcações inimigas. Não por acaso, estas três mulheres se tornariam as figuras mais populares da luta que resultou na vitória do 2 de julho.
II. Guerra de Canudos (1896-1897) – É assaz significativo o número de mulheres que vieram a tomar parte na construção e defesa do arraial de Canudos, nisto lutando até as últimas consequências. Dentre elas, cabe recordar: Dona Benta – uma das figuras mais respeitosas da comunidade canudense, a quem cabia, entre outras coisas, a administração do santuário; Maria da Guerra, (“jagunça braba”, no dizer de José Aras) – heroína de vários combates, tendo lutado contra a expedição Moreira Cezar, quando eliminou muitos soldados a golpe de foice; Pimpona – assim chamada devido à sua encantadora formosura. Foi defensora aguerrida do povo de Antônio Conselheiro, acabando por ferir-se em pleno conflito. A estas, somam-se ainda os nomes de Maria Francisca, Marta Figueira, Bibiana, mestras da comunidade, e de Mãe Caridade, uma das tantas curandeiras do lugar.
III. Cangaço – Nesse ambiente, à primeira vista dominado por “machões”, a figura feminina também exerceria seu protagonismo. No bando de Lampião, o mais afamado de todos, pelo menos três mulheres ocuparam lugar de relevo: Sila – mulher do cangaceiro Zé Sereno, famosa pelas suas investidas contra as “volantes”; Dadá – mulher do temível Corisco, conhecida até hoje pela sua incomparável valentia e Maria Bonita ou Maria Dea – companheira do Rei do Cangaço e uma das personagens mais vibrantes da história do Brasil. Era a ela que recorria o Capitão, quando tinha que tomar uma decisão mais delicada, como, por exemplo, levantar acampamento ou mesmo executar uma “presa”.
O protagonismo feminino, todavia, é muito maior do que se possa imaginar, tornando-se de todo impossível circunscrevê-lo a esse ou àquele momento histórico, muito menos limitá-lo a uma ou outra atividade. O que se pode dizer, no caso específico do Brasil, é que as mulheres sempre estiveram presentes nos processos históricos mais importantes, embora a maioria delas, até hoje, tenha agido no anonimato. No momento, é por demais expressiva a presença feminina em associações de moradores, igrejas, sindicatos, conselhos de gestão, partidos políticos, grupos organizados, etcetera.
Assim, embora reprimidas e muitas vezes a contragosto de espíritos machistas, as mulheres têm sabido ocupar o espaço que entendem lhes pertencer, nisso demonstrando capacidade, força e determinação, sem jamais faltar uma boa dose de ternura.
José Gonçalves do Nascimento
Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim – Bahia
jgoncalvesnascimento@hotmail.com