Por José Gonçalves do Nascimento
Causa-nos indignação o fato de ainda não dispormos de uma política séria de convivência com a seca.
As estiagens prolongadas no semiárido nordestino não constituem fato novo. Já duram séculos e desde épocas imemoráveis que se vem discutindo saídas para enfrentar o problema. Um sem-número de intelectuais e renomados pensadores brasileiros, inspirados no assunto, e às vezes até tangidos pela indignação, deram origem a obras magníficas, muitas das quais ainda hoje repercutem como verdadeiros manifestos contra tal estado de coisas. Dentre essas obras, há que se mencionar, à guisa de ilustração: Os Sertões (Euclides da Cunha); O Quinze (Raquel de Queiroz); A Bagaceira (José Américo de Almeida); Vidas Secas (Graciliano Ramos); Seara Vermelha (Jorge Amado); Geografia da Fome (Josué de Castro) e tantos outros monumentos da literatura nacional. O tema pautou também as artes plásticas, a fotografia, a poesia, o teatro e o cinema, neste último merecendo destaque o clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol, do baiano Glauber Rocha. Mas, até agora, malgrado essas manifestações todas, pouca coisa se fez concretamente para pôr fim aos sofrimentos provocados pelo indesejável fenômeno. A cada estiagem: a fome, a sede, o flagelo de milhares de sertanejos. D'outro lado: o descaso, a insensibilidade das autoridades, a exploração da famigerada indústria da seca. Um ciclo passa, e depois outro, e mais outro, e mais outro. E o sertão (e com ele o sertanejo e tudo que lhe está em volta) sucumbindo sempre nessa cadeia brutal e destruidora.
Na verdade, os governos nunca demonstraram maiores interesses em, de fato, resolver os problemas provocados pelas secas. Os órgãos criados para enfrentar o triste drama, alguns do quais já extintos, não conseguiram obter grandes avanços no trabalho de combate aos efeitos das estiagens, preferindo, muitos deles, colocar-se a serviço do clientelismo político, que não raro, ainda impregna a máquina estatal.
Até quando nosso povo será penalizado por desastres previsíveis e preveníveis como os que atualmente vêm devastando o solo nordestino em consequência da precariedade dos recursos hídricos? As secas, conforme tem testemunhado a própria história, estão circunscritas num regime de ciclos que se repetem a cada dez, quinze ou vinte anos, com possibilidade de variações. Esta matemática, qualquer camponês a conhece de cor e salteado. Mesmo diante de tanta evidência, as autoridades governamentais nunca se preocuparam seriamente com a adoção de políticas que pudessem, de uma vez por todas, prevenir os efeitos da estiagem e dar aos sertanejos condições de convivência digna com o fenômeno da seca. Ao invés disso, a prática adotada até agora foi a de esperar a crise se aproximar para depois enfrentá-la de forma emergencial e paliativa, sem nenhum planejamento de médio ou longo prazo.
É necessário que se discutam ações macro e estruturantes que visem ao combate dos efeitos da estiagem numa perspectiva que vá muito além da cesta básica ou mesmo do carro-pipa – expedientes muitas vezes utilizados como trampolim político-eleitoreiro para beneficiar políticos inescrupulosos. Josué de Castro, nos anos cinquenta, ao falar das medidas que, no seu entendimento, deveriam ser adotadas no combate aos malefícios da seca, já chamava a atenção dos governos para a necessidade de “medidas estruturais que modifiquem realmente os alicerces econômicos da região nordestina. O fenômeno [continua o autor de Homens e Caranguejos] é de natureza estrutural, a começar pela má distribuição da propriedade agrária, devido ao regime latifundiário altamente defeituoso, associada a certo descaso pela região, acrescida da má aplicação das inversões destinadas ao Nordeste”.
Nesta perspectiva, poder-se-ia pensar no enfrentamento do problema da estiagem a partir das nossas cadeias produtivas, que não são poucas, mas que paulatinamente vão sendo dilaceradas em virtude da escassez de água. Uma ação dessa natureza implicará necessariamente na adoção de medidas estruturais que vão desde a distribuição da terra até o armazenamento da água, o incentivo à aquisição de insumos e a garantia de preços e comercialização. O que não se admite são ações isoladas e sem planejamento, que em nada contribuem para a solução definitiva do problema da seca.
É absolutamente inaceitável que em pleno século XXI, quando já houve tanto tempo para a busca de soluções efetivas de combate aos efeitos da seca, ainda tenhamos que conviver com a vergonhosa política do carro-pipa e da cesta básica.
E ainda querem insistir que somos a quinta economia do mundo!