Sem competir, mas sem deixar a desejar heavy metal e gêneros excitantes, a Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim (Aclasb) fez dupla celebração na noite desta quarta-feira. Num auditório repleto de acadêmicos e convidados, os 20 anos de sua fundação da instituição a Semana da Cultura foram comemorados lado a lado. Não faltaram emoções e agitos, entusiasmos e encantos. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Juventude e maturidade se viram em vibrações, diferentes, mas nem tão distante do frêmito do hip hop!
Atividades literárias e musicais necessariamente artísticas mantiveram as cortinas abertas para o tempo pré-natalino. Bonfinenses ilustres no passado recente e patronos de fato das cadeiras da instituição ganharam homenagens póstumas da Aclasb e seus familiares - filhos, consortes, parentes – receberam diplomas remissivos ao prestigio dos homenageados. Entre os representantes dos laureados estavam o desembargador Jéferson Muricy, Pedro Castor Xisto e muitos outros.
Presenças altivas, distintas, togadas ou não, foram à cena do palco e realçaram o melhor da MPB. Existe modéstia mais suntuosa que a reunida na voz e violão de Rogério Moreira? E a brandura insurgente em canto dominante no som delicado de Regina Salgado? Ipi, Ipi urra. Quem foi ao salão da Câmara viu como Paulo Ernesto entra em contrição às canções entoadas (Osvaldo Montenegro?), duas, nacionalíssimas, tal árias da mais pura erudição musical.
Que papelão – Um cego, coitado, respeitoso e moderado, errou o caminho e entrou no local das comemorações. Embora conduzido pelo guia, gastou 69 segundos contados para atravessar cinco metros de salão. Confirmada a gravidade de sua deficiência visual (com ou sem óculos escuros), sobreveio-lhe a pergunta de por que ainda assim seria ele pai de tantos filhos (oito). E o pobre homem, sério e ingênuo, não perdeu o pudor: “Óia, tão pensando qui faço fio é cum os zóio...”. As reações da platéia, sim, foram de risos descomedidos e... (quase) indecorosos – até despertar que estava diante de uma dualidade una: Eugênio Talma/Geninho. Baita show de humor.
Sem sair do chão – Viu-se ademais a matemática verbal com que o fundador da Aclasb compôs e decompôs os 20 anos de Aclasb. Cada época tem uma auréola poética, o nome de uma rua; cada sujeito lembrado está numa estrofe e nalgum inolvidável viés cultural; cada fato vem narrado em mescla de qualidades artísticas peculiares. É o intelecto de Paulo Machado. Quando pára a sonoridade da declamação histórica, sucedem-lhe a cadência dos aplausos. Da mesa, o acadêmico Aurélio Soares ensaiou a indefectível coreografia. O fotógrafo Cinco Mil flagrou. Esse rolé excêntrico dominou a todos no auge da orquestra da Saudade e o maestro Fernando Dantas sorriu feito criança – mas não pediu pra galera nenhuma sair do chão.
O mundo é aqui – As poesias natalinas, saudosas menções aos que fazem arte e letra em Senhor do Bonfim e as evocações a Jesus Cristo foram cercadas no início pelo Hino Nacional, no fim pelo Hino a Senhor do Bonfim. Porém houve na abertura três páginas de José Gonçalves que o dignificam como presidente da Aclasb. Nelas ele disse da origem, do desenvolvimento e do futuro do movimento acadêmico ao redor do mundo. Abreviou brilhantemente de como homens e mulheres que agem e pensam artisticamente trouxeram essa forma de expressar sabedoria aos nossos dias. Um resumo histórico literário próprio de quem comete academia (texto integral no final da matéria). Vale conferir.
Homenageados – Diplomas de Honra ao Mérito (in memoriam) foram concedidos aos acadêmicos falecidos: Joaquim Muricy Sobrinho, Zenáurea Teresinha Campos Dias, Antônio Martins de Souza, Maurício Salamá, Caio Mário Félix Martins, Antônio de Carvalho Melo, José Santos “Zequinha Poeira”, Antônio Augusto Castor Xisto, Osvaldo Alves Aragão, Raimundo Izidório dos Santos e Antônio José Gonçalves da Silva. Os diplomas foram entregues em cerimônia formal e a recepção foi honrosa.
Cada recital esteve sob as coordenadas cerimoniais de Tito Rocha e Eleonor Sena Gomes. Téo Canarana teclou acordes para ouvidos apurados: Carlos de Tijuaçu, secretária de Cultura Riana Oliveira (ambos na Mesa), acadêmico Josemar Santana etc.
Em breve vôo alçado, o dizer do presidente:
“Senhores e senhoras,
Surgida no século IV a.C., do gênio inventivo de Platão, a primeira academia teve lugar nos arredores de Atenas, nos chamados jardins de Academus, herói grego da guerra de Tróia, vivido no século XII a.C. Embora destinada ao culto oficial das musas, ali se desenvolvia extensa atividade intelectual, reunindo-se diversos domínios do saber, como a Filosofia, a Matemática, a Música, a Astronomia e a Legislação.
A obra iniciada pelo filósofo ateniense e continuada por seus discípulos, constitui-se em importante marco do saber ocidental, sendo a fonte originária de todas as academias que, a partir de então, passaram a estabelecer-se no mundo inteiro, marcando épocas e lugares.
A título de ilustração, importa destacar algumas dessas academias: Academia Platônica, fundada em Florença por volta de 1440 – Era a mais famosa da Renascença Italiana; Academia Francesa, criada em 1635, por iniciativa do Cardeal Richelieu, no reinado de Luis XIII; Academia Espanhola, instituída em 1713, por obra de Juan Manuel Fernandez Pacheco, no reinado de Felipe V; Academia Real das Ciências de Lisboa, fundada em 1779, no reinado de D. Maria I, em pleno Iluminismo; Academia Brasileira de Letras, estabelecida em 1896, por Araripe Júnior, Raul Pompéia e Machado de Assis, que foi o seu primeiro presidente.
A fundação da Academia Brasileira de Letras fez desencadear o surgimento das – por assim dizer – academias estaduais, em praticamente todos os estados brasileiros. Entre elas a da Bahia, de 1917. Desse movimento, resultam as demais academias que se seguiram depois e que ainda hoje não cessam de se multiplicar. Conta-se no Brasil, atualmente, com uma constelação de muitas centenas dessas confrarias, cobrindo distintas áreas do pensamento, como a Literatura, as Artes (de um modo geral), o Direito, a Medicina, a Filosofia, a Religião, etc.
Como a academia de Platão, as academias de letras, ao longo da sua história, têm se caracterizado pela capacidade de dialogar, no mesmo espaço e em torno do mesmo objetivo, com os mais diversos campos do conhecimento. É o que Haroldo de Campos chamou de “movimento dialógico da diferença”. No caso em apreço, esta tem sido a condição primordial para a consolidação da unidade dos saberes e, por conseguinte, para a conservação do edifício cultural, na acepção plena da palavra.
Para Noberto Bobbio, enquanto a política divide – e divide porque vive do conflito – a cultura une – e une porque vive do diálogo. A assertiva do ilustrado pensador italiano traz à memória a palavra balizada de Machado de Assis, que ao tomar posse como presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1897, cunhou o escopo daquela entidade: “conservar, no meio da federação política, a unidade literária”.
A ACLASB não foge à regra. Consoante os estatutos que a regem, sua missão capital é unir homens e mulheres de letras e artes, com vistas à promoção e aprimoramento da cultura bonfinense, nas suas diferentes manifestações. Este foi o sonho que moveu os corações dos seus idealizadores, quando da sua fundação, naquele cinco de dezembro de 1991. E para isto nunca faltou empenho, embora nem sempre se tenha obtido o resultado esperado, haja vista as dificuldades que, não raro, costumam rodear esse tipo de atividade.
Ao completar 20 anos de instalação, a Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim sela, mais uma vez, seu compromisso com a cultura local, na certeza de que, doravante, além de contar com maior dedicação da parte dos seus honrosos membros, também gozará do apoio afetuoso da comunidade bonfinense.
Ainda no ensejo do seu 20° aniversário, a ACLASB sente-se no dever de reverenciar a memória daqueles que um dia tomaram parte no seu quadro de sócios, sejam eles fundadores ou não, e que hoje já não habitam mais aqui, pelo menos fisicamente.
Guimarães Rosa, em discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, poucos dias antes de morrer, asseverou que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Lá onde estiverem, nossos venerandos e eternos confrades, seguramente, estão a velar por nós e a alimentar nossos sonhos de uma academia melhor, mais atuante e mais profícua.
Parafraseando Shelley, quando da morte prematura de Keats, diríamos que “eles alçaram seu vôo além das trevas das nossas noites”. Por isso, jamais morrerão!"
Assessoria de Comunicação Social - Prefeitura de Senhor do Bonfim
Assessoria de Comunicação Social - Prefeitura de Senhor do Bonfim