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sábado, 19 de novembro de 2011

CANUDOS: UMA EXPERIÊNCIA DE FÉ RESISTÊNCIA E SOLIDARIEDADE

INTRODUÇÃO

Entre 1893 e 1897, poucos anos após a proclamação da República, a Bahia se apresentava como cenário de um dos mais extraordinários exemplos de mobilização popular que a história brasileira já registrou: o arraial de Canudos ou Belo Monte.


Edificado por Antônio Conselheiro e o grupo de seus seguidores, Canudos representou o anseio de liberdade que, há séculos, era alimentado pelos pobres do Nordeste. Ali, os sertanejos puderam, finalmente, adquirir sua tão sonhada autonomia. Livres do domínio dos “coronéis” e conduzidos pelos ideais de uma vida nova, eles foram responsáveis pela construção de um modelo alternativo de sociedade, onde teve lugar a prática da partilha e da solidariedade. Em pouco tempo, o arraial sertanejo se transformou num dos maiores aglomerados populacionais da Bahia, chamando a atenção do país e tornando-se “a questão do dia”, como alegava o Barão de Jeremoabo.


Completamente insubmissa aos ditames do regime republicano, a comunidade canudense acabou despertando a ira das elites brasileiras, as quais resolveram apelar para o ataque. Era a Guerra de Canudos.

1. ANTÔNIO CONSELHEIRO

O homem era alto e magro. Sua pele era escura, seus ossos proeminentes e seus olhos ardiam como fogo perpétuo. Calçava sandálias de pastor e a túnica de azulão. Era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história.

Mario Vargas Llosa

Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido também como Antônio Conselheiro, Santo Antônio Aparecido ou Bom Jesus Conselheiro, nasceu aos 13 de março de 1830, no termo de Quixeramobim, na antiga província do Ceará.

Filho do comerciante Vicente Mendes Maciel e Maria Joaquina de Jesus, Antônio fica órfão de mãe aos quatro anos de idade, quando passa a conviver com a madrasta de quem recebeu maus tratos. Quando jovem freqüentou uma das poucas escolas que havia na região, onde aprendeu Português, Aritmética, Geografia, além de rudimentos de Latim e Francês. Na época já demonstrava interesse pela leitura da Bíblia.

Mais tarde, ao perder o pai, torna-se arrimo de família, incumbindo-se da responsabilidade de cuidar de três irmãs de menor idade.

As constantes lutas entre as famílias Maciel e Araújo marcaram profundamente a pessoa de Antônio Vicente, ainda em plena infância. Os Maciel eram, frequentemente, acusados de roubos nas propriedades dos Araújo. Essas acusações resultavam em lutas “das mais sangrentas dos sertões do Ceará”, como narra o historiador João Brígido. A justiça, sempre do lado do mais forte, embora reconhecesse a inocência da família Maciel, preferia tomar a defesa dos Araújo.

Aos 27 anos, casa-se com uma prima, Brasilina Laurentina da Silva que, anos depois, o abandona, fugindo com um furriel da polícia do Ceará. Assume os negócios do genitor, mas não obtendo nenhum sucesso deles se desfaz, vindo a desempenhar, cada um a seu tempo, os ofícios de caixeiro viajante, construtor civil, rábula e professor.

Em seguida investe-se da missão de beato e passa a peregrinar pelos sertões nordestinos, fazendo sermões e aconselhando o povo simples que a ele recorria sequioso dos seus ensinamentos. Torna-se, como escreveu Euclides da Cunha, “o emissário das alturas, tendo uma função exclusiva: apontar aos pecadores o caminho dos céus (...) impressionando pela firmeza nunca abalada e seguindo para um objetivo fixo com finalidade irresistível”.[i]

Homem de fé e leitor assíduo da Bíblia, Antônio Conselheiro não demorou a tomar a defesa dos pobres e oprimidos. Numa região profundamente marcada pela miséria e opressão, ele se apresentava como a grande esperança das massas injustiçadas.

Começou como advogado dos pobres (rábula), antes mesmo de assumir vida ascética. Depois, ao presenciar mais de perto a situação de abandono a que foram relegadas as regiões por onde passou – abandono não só da parte do poder público como também das autoridades eclesiásticas – começa a empreender esforços na construção de igrejas, cemitérios e aguadas. Difundidas por alguns estados do Nordeste, muitas dessas construções continuam de pé, como que a testemunhar, de forma tangível, uma das maiores e mais belas experiências de vida comunitária de que se tem conhecimento.

Transcorridas mais de duas décadas de peregrinação pelas terras abrasadas do Nordeste, Antônio Conselheiro, já em Canudos, confere nova dimensão ao seu labor missionário, passando a questionar, de forma mais contundente, as estruturas de poder que há séculos submetiam o povo nordestino ao jugo pesado do atraso, da miséria e da opressão. Assim, numa perspectiva mais efetivamente transformadora, passa ele a defender também questões de ordem estrutural como o direito à terra, ao pão, à moradia, à liberdade.

Conselheiro, todavia, não apelou para as armas, nem optou por mecanismos político-partidários. Buscou, antes, transformar a realidade, à luz da palavra libertadora de Deus.

Abnegação

Esse conjunto de ações comprova que Antônio Conselheiro era um homem extremamente solidário, generoso e bom.

Sobejam testemunhos a esse respeito.

Um morador de Santa Luzia (atual município de Santa Luz -Bahia) em carta publicada no Jornal de Notícias de Salvador, em 10 de junho de 1893, no mesmo mês e ano da fundação de Canudos, descrevia o peregrino como “um homem em extremo humanitário – todo abnegação, todo altruísmo”.[ii] Manuel Ciríaco o tinha como um “homem bom e respeitador”[iii]; Pedrão, como alguém que “só pregava o bem, só fazia o bem”[iv]. O baiano Júlio César Leal escreveu no Jornal do Brasil de 4 de agosto de 1897: “Não víamos no procedimento de Antônio Conselheiro outra coisa que não fosse a prática do bem, do amor ao próximo (...)”[v].

Esses e outros testemunhos, de igual natureza, são corroborados pelo escritor cearense Abelardo Montenegro: “Antônio revelava-se muito religioso, morigerado e bom, respeitoso para com os velhos. Protegia e acariciava as crianças. Sofria com as rusgas entre o pai e a madrasta. Consideravam-no a pérola de Quixeramobim, por ser um moço sério, trabalhador, honesto e religioso”[vi].

Sintonizado com os anseios das massas sertanejas e ciente de sua missão enquanto portador da palavra libertadora de Deus, ele não mediu esforços no combate aos principais males que naquele momento punham em risco a sobrevivência das classes menos favorecidas. Entre estes males figuravam o trabalho escravo, a arrecadação de impostos e o regime republicano. Com a mesma força e determinação combateu o furto, a violência, o adultério, a prática da prostituição, o alcoolismo e toda sorte de vícios.

Na sua prática diária procurou pautar-se, fundamentalmente, naqueles valores que sempre nortearam a vida do povo sertanejo, como a caridade, o perdão, o amor ao próximo, etc, além de fomentar relações solidárias no trabalho, nos negócios e na convivência cotidiana.

Totalmente desprendido dos bens materiais, alimentava-se com frequência das esmolas que lhe ofereciam. Nas peregrinações pelas terras calcinadas do Nordeste, andava quase sempre a pé. O seu dia-a-dia era voltado para o trabalho, o aconselhamento e a meditação.

Foi nessas andanças pelas searas sertanejas, que ele chegou às margens do Vaza-Barris, importante rio do semi-árido baiano, onde estabeleceu o arraial místico de Canudos. Nascia, ali, um modelo novo de sociedade, livre do fardo pesado do latifúndio e calcado nos valores da fé, da partilha e da solidariedade. Canudos surgia como o primeiro passo para a libertação total, quando todos viveriam livres de qualquer jugo ou dominação.

Esse sonho levou o peregrino até as últimas consequências, resultando na guerra que maculou a Bahia e o Brasil.

2. CANUDOS

Ninguém ignora qual o gênero de vida que levavam os canudenses: plantavam, colhiam, criavam, edificavam e rezavam.

Cézar Zama

ASPECTO POLÍTICO-IDEOLÓGICO

Existem diversas vertentes de interpretação acerca da natureza político-ideológica do movimento liderado por Antônio Conselheiro.

Apresentemos algumas, à guisa de ilustração.

a) Canudos como experiência messiânica.

Maria Isaura Pereira Queiroz situa a comunidade de Antônio Conselheiro no campo dos movimentos messiânicos brasileiros. Nesta perspectiva, ela trabalha com a tese de que Canudos foi uma reação ao estado de desintegração (anomia) das normas sociais porque passava a sociedade rústica sertaneja, em decorrência das mudanças introduzidas com a implantação da República. Entre essas mudanças, estavam a separação da Igreja em relação ao Estado, os impostos e taxas cobrados pelo novo regime e a instituição do casamento civil.[vii]

Ao tempo em que se insurgia contra tal estado de coisas, Canudos se apresentava também como uma tentativa de restabelecimento das estruturas sociais que haviam sido suplantadas com a imposição do regime republicano. Como parte desse processo, Antônio Conselheiro instituiu uma série de normas destinadas a regular a vida da comunidade e a prepará-la para o mundo novo ou o “paraíso terrestre” que então se esperava.

As normas adotadas compreendiam, entre outras coisas, a prática da humildade, da abstinência, do arrependimento e da penitência, além do abandono das riquezas, do luxo, da vaidade e de toda espécie de desejo.

Dessa forma, o ajuntamento de Canudos era visto como uma “Nova Jerusalém, onde os privilegiados (poderiam) esperar tranquilos o anunciado Juízo Final, furtando-se ao republicano governo do Anticristo” [viii].

b) Canudos como experiência de luta pela terra.

Para Rui Facó e Edmundo Moniz, intérpretes do movimento de Antônio Conselheiro a partir da visão marxista, Canudos foi expressão da luta de classes, levada a cabo pelo campesinato sertanejo. Ou seja, foi uma investida contra o latifúndio e a exploração da mão de obra que, desde os primórdios da história do Brasil, subjugaram os pobres do campo.

Segundo Moniz, o Conselheiro se opôs ao regime republicano porque este não apresentou nenhuma proposta de reforma agrária, mantendo inalterada a velha e atrasada estrutura fundiária brasileira. O movimento de Canudos surge, então, com a tarefa de fazer aquilo que a República, por conta do seu compromisso com a burguesia rural, não conseguiu realizar: a revolução fundiária seguida de uma justa e efetiva distribuição da terra, em favor da classe camponesa.[ix]

Facó insiste na ideia de que a comunidade canudense, sob o manto do misticismo religioso, conseguiu realizar a maior e mais aguerrida luta contra o monopólio da terra. E acrescenta: “Canudos foi um dos momentos culminantes da luta de libertação no campo. Sua resistência indomável mostra o formidável potencial revolucionário existente no âmago das populações sertanejas e a enorme importância do movimento camponês no Brasil (...). A epopeia de Canudos ficará em nossa história como um patrimônio das massas do campo e uma glória do movimento revolucionário pela sua libertação” [x].

c) Canudos como experiência de comunidade alternativa.

A interpretação que mais tem ganhado fôlego é a que aponta Canudos como uma experiência de comunidade alternativa. Experiência esta, que se deveu ao fato de Antônio Conselheiro não haver reconhecido a República[xi], inaugurada naqueles dias, e, por essa razão, ter optado por construir uma comunidade autônoma e completamente insubmissa às regras do novo regime.

Num dos cadernos de Prédicas do Conselheiro, trazido a lume por Ataliba Nogueira em 1974, encontramos os motivos da aversão do beato ao regime republicano: “A república permanece sobre um princípio falso e dele não se pode tirar consequência legítima: sustentar o contrário seria absurdo, espantoso e singularíssimo; porque, ainda que ela trouxesse o bem para o país, por si é mal, porque vai de encontro à vontade de Deus, com manifesta ofensa à sua divina lei” [xii].

A partir desse conceito, a República passa a ser identificada como a manifestação do “anticristo” ou a própria “lei do cão”. De fato, uma “ré pública”, (da forma como foi grafado); alguma coisa abominável aos olhos do Conselheiro e do grupo dos seus seguidores.

Isso não significa dizer que Canudos tenha assumido pretensões restauradoras, como muitos chegaram a insinuar. Não há o menor indício de que a oposição de Antônio Conselheiro ao regime republicano haja conduzido a comunidade canudense a uma ação política a favor da Casa de Bragança. Nunca foi esse o objetivo de Canudos, como movimento organizado, embora parcela considerável dos seus integrantes, incluindo o próprio Conselheiro, demonstrasse simpatia pela forma monárquica de governo.

Há que se transcrever, a este respeito, o testemunho de um contemporâneo dos fatos, o então senador Ruy Barbosa: “Essa insimulação estólida, que encarna em Antônio Maciel as reivindicações do monarquismo, nunca se deu sequer ao trabalho de autorizar com a mais tênue sombra de prova o libelo, cuja ferocidade se cevou em chamas e sangue. Ninguém logrou, até hoje, precisar o mais leve indício de mescla restauradora nos sucessos de Canudos. Não há um fato, um testemunho, uma aparência concludente, ou suspeita” [xiii].

Canudos nada mais foi do que o “refúgio” seguro onde os sertanejos puderam “repousar” tranquilos, longe do jugo de um sistema estatal perverso e anti-popular que, mal acabava de nascer, já começava a se chocar com os interesses mais legítimos do povo brasileiro.

Oficial com atuação importante junto às forças expedicionárias, o coronel Emídio Dantas Barreto considerou Canudos como “uma população irrequieta [que] se apartava da comunhão nacional para levar uma existência mística e aventurosa, sem ligações com a federação, com o estado ou o município, independente e forte” [xiv]. E foi isso que realmente aconteceu. Tendo como princípios básicos o trabalho, a oração e a solidariedade, o arraial conselheirista tornou-se, em apenas quatro anos (1893-1897), uma das maiores povoações do interior da Bahia, sendo responsável, inclusive, por sua autossustentação.

ASPECTO ECONÔMICO

Angelina Nobre Rolim Garcez, em importante trabalho intitulado “Aspectos Econômicos do Episódio de Canudos”, publicado nos anos setenta, afirma que “Canudos não pode ter se mantido todo tempo, opondo a resistência que opôs, por força apenas dos acasos da sorte. Um apoio econômico mais regular e mais sólido deve ter existido, ou melhor dizendo, não pode deixar de ter existido”[xv]. E existiu mesmo. Relatos da época dão conta do nível de prosperidade econômica a que chegou a comunidade de Canudos.

Nina Rodrigues, o mesmo que examinou o crânio do beato, constatava em 1897 – em pleno desenrolar do conflito – que Antônio Conselheiro havia, em curto prazo, transformado Canudos “de estância deserta e abandonada em uma vila florescente e rica” [xvi].

Manoel Benício, testemunha ocular dos fatos relativos a Canudos, notou e anotou que “Às margens frescas do rio [o Vaza-Barris] eram cultivadas plantações de diversos legumes, milho, feijão, favas, batatas, melancias, jerimuns, melões, canas etc. Nos terrenos arenosos, viam-se milhares de matombos, grelando o talo tenro das mandiocas e outros com estacas de diversos tamanhos. Pelas vizinhanças, os pequenos cultores da terra possuíam sítios, pomares, fazendolas de criação de bode, animais vacuns e cavalares”[xvii].

A pecuária, com acento na caprinocultura, exerceu papel de destaque na economia dos canudenses. Cabe destacar, a propósito, a observação do deputado baiano Cézar Zama, também conhecido pelo pseudônimo de Wolsey: “Aquela povoação [Canudos] proporcionava ao Estado pingue fonte de receita do imposto de exportação sobre peles” [xviii].

Manuel Ciríaco, homem influente no arraial conselheirista, contou a Odorico Tavares em 1947: “No tempo de Antonio não gosto nem de falar para não passar por mentiroso, havia de tudo, por estes arredores. Dava de tudo e até cana de açúcar de se descascar com a unha, nascia bonitona por estes lados. Legumes em abundância e chuvas a vontade, esse tempo parece mentira” [xix].

Outro remanescente de Canudos, Honório Vilanova, ao ser entrevistado por Nertan Macedo, não esconde a nostalgia quando o assunto é o cotidiano de Canudos: “Recordações, moço? Grande era o Canudos do meu tempo. Quem tinha roça tratava de roça, na beira do rio. Quem tinha gado tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de rezar ia rezar. De tudo se tratava” [xx].

Esse conjunto de informações, oriundas de figuras de dentro e de fora de Canudos; de pessoas relacionadas com Antônio Conselheiro e de pessoas que a ele se contrapunham, dá uma dimensão aproximada do que representou a economia do Belo Monte. Ao mesmo tempo, desmistifica informações tendenciosas e, por vezes, eivadas de preconceito e malícia, como as que emitiu Frei João Evangelista do Monte Marciano, dando conta de que o povoado de Canudos vivia em estado de penúria e abandono.

COTIDIANO DE CANUDOS

O já mencionado jornalista Manoel Benício, responsável por um dos mais importantes testemunhos sobre o cotidiano de Canudos, uma vez que ali esteve como correspondente de guerra do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, apresenta uma comunidade em constante atividade, e onde todas as pessoas, independentemente do gênero e da idade, tinham seus próprios afazeres: “As mulheres [diz ele] não estavam inativas”[xxi]. Elas trabalhavam, entre outras coisas, no fabrico da farinha e na preparação do sal que era usado para o tempero e para suprir os diversos curtumes que existiam em Canudos. “As moças [continua o autor de “O Rei dos Jagunços”] fabricavam redes de crauá, indo buscar nas caatingas feixes destas bromélias de que tiravam as fibras da casca verde, pilando-as e deitando-as em seguida no sol para as enxugar (...) Enquanto isto, o malho dos ferreiros batendo nas bigornas e zunindo como um grito de araponga anunciava que não havia falta de foice, faca, chuchos, machados, etc. no arraial (...). Metade das crianças banhava-se no rio, outra caçava a bodoque, besta e arcos, armando arapucas, mondéis e quixós nas caatingas para apanharem caça”[xxii].

Os sertanejos reunidos em Canudos eram, na sua grande maioria, trabalhadores rurais que acabavam de fugir das grandes fazendas da região, onde eram historicamente vítimas do latifúndio e da escravidão.

Esses trabalhadores, por sua vez, se constituíam, em grande parte, de índios provenientes de tribos que habitavam o entorno do Belo Monte, como os Kiriris de Mirandela, os Caimbés de Massacará e os Tuxá de Rodelas, além de negros ex-escravos que, mesmo depois da lei áurea, continuavam explorados pelos fazendeiros do sertão. José Calasans, a propósito, chega a classificar Canudos como “o nosso último quilombo”.

Acossada pela miséria e dominação dos senhores da terra, essa gente encontrava em Canudos, a Canaã Prometida. Daí o mito da terra onde “havia rios de leite e barrancas de cuscuz”.

Com uma população, cujas estimativas oscilam entre 10 e 30 mil almas[xxiii], a comunidade conselheirista era unida e reunida em torno da prática da solidariedade. Prática esta que, aliás, esteve sempre presente na vida do povo sertanejo.

Em Canudos não havia miseráveis, pois cada um recebia conforme sua necessidade. Os canudenses, além de contar com as coletas que eram levantadas na região, podiam ainda, usufruir livremente das terras que a outros pertenciam.

ASPECTO RELIGIOSO

A sociedade de Canudos se distinguia, acima de tudo, por sua dimensão religiosa. O elemento religioso ocupava o centro da vida canudense, tornando-se o principal fator de unidade entre os mais diversos grupos de sertanejos que ali aportavam, a cada dia.

A religião aqui referida, diga-se de passagem, é aquela expressa nas inúmeras formas de “religiosidade popular”, vivenciadas pelas camadas mais pobres do Nordeste, e que foi, de maneira exemplar, incorporada por Antônio Conselheiro, nos seus longos anos de peregrinação pelas terras do sertão.

A “reza” fazia parte da programação diária, sendo uma das principais ocupações dos moradores de Canudos. Numa longa descrição sobre a prática religiosa dos seguidores de Antônio Conselheiro, Euclides da Cunha fez a seguinte anotação: “Ao cair da tarde, a voz do sino apelidava os fiéis para a oração. Cessavam os trabalhos. O povo adensava-se sob a latada coberta de folhagens. Derramava-se pela praça. Ajoelhava. Difundia-se nos ares o coro da primeira reza (...). As rezas, em geral, prolongavam-se”[xxiv].

A este respeito, importa transcrever também o minucioso depoimento de Honório Vilanova, concedido a Nertan Macedo: “Assim era a vida. As beatas rezavam o dia inteiro. Estavam sempre ajoelhadas no oratório, desfiando os rosários, cantando as ladainhas. Até mesmo de madrugada. De manhã era o ofício. As novenas de Santo Antônio. Cantavam-se os benditos (...) à boca da noite começava o terço na latada. Diante das muitas imagens de santos trazidas pelo povo: Nossa Senhora, Santo Antonio, São Pedro, São João, os Apóstolos. O peregrino estava sempre presente e sempre pronto a repetir os Mandamentos da Lei de Deus e aconselhar o povo.” [xxv]

Ao final do culto tinha lugar um dos rituais mais importantes da religiosidade popular: o “beija” das imagens.

EDUCAÇÃO

A prática do ensino foi outra característica da comunidade de Canudos. Os cronistas da época dão conta de ter havido, pelo menos, uma escola dentro da povoação sertaneja.

Vale ressaltar, a propósito, que Antônio Conselheiro, antes de se tornar peregrino, chegara a ser professor, tendo lecionado – como informa Abelardo Montenegro – Português, Aritmética e Geografia. O interesse pela educação esteve sempre presente na vida do místico de Quixeramobim. Prova disto, é que nos lugares por onde passava, cuidava logo de erguer uma escola. Foi o que ocorreu, num primeiro momento, no arraial do Bom Jesus, hoje cidade de Crisópolis e, posteriormente, no arraial de Canudos, locais onde o pregador exerceu papel determinante. Em ambos os casos, ao que nos parece, a atividade escolar chegou a ocupar lugar de destaque na vida comunitária, ao lado das atividades laborais e religiosas.

Segundo informação de Euclides da Cunha, a escola de Canudos era mista e funcionava todos os dias. Tinha grande número de meninos e cada um deles pagava dois mil réis por mês.[xxvi] Entre esses meninos estava Isidoro, um dos inúmeros a figurarem na lista do Comitê Patriótico da Bahia – organização não governamental criada, à época, para dar assistência aos soldados envolvidos na guerra. O menino, caboclo de 10 anos, conforme se lê no relatório do referido Comitê, foi “aproveitado” na escola de Canudos, por sua inteligência e vivacidade.[xxvii]

A professora, de acordo com Manoel Benício, era Maria Francisca de Vasconcelos. “Tinha ela 23 anos. Era morena, arisca, tendo cursado a escola normal da Bahia, onde apanhara alguma instrução. O Conselheiro nomeou-a professora do arraial, indo ela morar na baixada por trás do cemitério, que desde este tempo tomou o nome de rua da professora”.[xxviii]

Há notícias de que havia em Canudos mais duas professoras: Maria Bibiana e Marta Figueira. A primeira, de acordo com depoimento de dona Salustiana a Paulo Fontenelle, no documentário “Os Sobreviventes” (2004), teria perecido na “cidade sagrada” em consequência da guerra; a segunda, conforme noticia Edmundo Moniz, sobreviveu à chacina e mudou-se para a capital baiana, onde morreu em 1944, morando na Calçada.[xxix]

COLABORADORES

Numerosos foram os sertanejos que dedicaram suas vidas à construção, administração e defesa do arraial sagrado – o que demonstra que Canudos não foi obra apenas de Antônio Conselheiro, mas fruto de um grande mutirão. Entre a gama de canudenses que exerceram papéis de destaque no âmbito da comuna conselheirista, cabe destacar:

João Abade, chefe do povo, responsável pela defesa da cidade e pela segurança pessoal do Beato. Morreu em combate.

Paulo José da Rosa, amigo pessoal do Conselheiro e um dos homens mais importantes da grei. Ninguém se aproximava do peregrino sem o seu consentimento. Morreu de morte natural.

Pajeú, ex-policial, esteve entre os combatentes mais aguerridos. Negro valente e bom de tocaia ficou “famoso [observa Walnice Nogueira Galvão] por sua imaginação tática ao elaborar ardis guerrilheiros em vários lances da guerra”. Tombou durante os conflitos.

Pedrão, membro da Guarda Católica e talvez a figura de maior expressão no séquito de Maciel. “Mestiço de porte gigantesco”, conforme destacou Euclides da Cunha, em Os Sertões, ocupou lugar de destaque durante os combates, tendo sido comandante de piquete. Sobrevivente, confessou a José Calasans nos anos cinquenta: “o coração pedia para brigar”. Conta-se que, estando em visita a Canudos nos anos quarenta, o então presidente Getúlio Vargas demonstrou interesse em conhecer Pedrão. Mas os esforços nesse sentido acabaram inúteis. Aos emissários que foram apanhá-lo em casa, o velho herói respondeu como se ainda estivesse em guerra: “Diga ao Governo que já estou véio e cansado pra i té lá”.[xxx]

Antônio Beatinho, morador do santuário e figura próxima ao Conselheiro. Foi ele quem negociou a rendição de 300 pessoas, a maioria mulheres e crianças, nos últimos momentos da refrega. Terminou degolado a mando do General Artur Oscar, comandante da quarta expedição.

Joaquim Macambira, fazendeiro e comerciante de destaque. Tombou vítima do holocausto.

Manoel Quadrado, pagé dos índios Tuxá de Rodelas e curandeiro do lugar. Era o médico da comunidade. Nos tempos de paz medicava os doentes, nos tempos de guerra tratava dos feridos. Sobre ele escreveu Euclides da Cunha: “Manoel Quadrado, curandeiro experimentado, debelando as moléstias mercê de uma farmacopeia rudimentar; conhecedor de todas as folhas e raízes benéficas, vivendo isolado num investigar perene, pelas drogarias inexauríveis e primitivas das matas”.[xxxi] Sucumbiu em plena guerra.

Antônio Fogueteiro, índio da tribo Kiriri e figura de influência no séquito do Bom Jesus. Além de clavinoteiro e comandante de piquete, era também responsável pelo fabrico dos foguetes que espocavam no Belo Monte, em momentos de festividade. Não há notícias precisas quanto ao seu desaparecimento.

Antônio Vilanova, natural do Ceará e comerciante abastado. Fugiu de Canudos com seu irmão Honório, antes de terminar o conflito.

Leão da Silva, o lendário Leão de Natuba do romance A Guerra do Fim do Mundo, de Mário Vargas Llosa. Era secretário do Conselheiro. Tinha a responsabilidade de redigir as cartas e sermões do peregrino. Morreu durante a peleja.

Cabe acentuar também o papel da mulher na construção da comunidade belomontense. Em Canudos a figura feminina teve participação ativa não só nas atividades religiosas, mas também na luta diária pela manutenção e subsistência da vida comunitária. Aqui, as mulheres que mais se destacaram no âmbito da polis conselheirista:

Dona Caridade e dona Benta, ambas parteiras, procedentes do Itapicuru. A última chegou a dirigir, em Bom Conselho, um internado para meninos carentes. Depois de vendar suas propriedades resolveu seguir o Conselheiro, tornando-se a zeladora da sua austera residência. Não se sabe como findaram as duas.

Isidra e Ana, duas doceiras de mancheia, afamadas em Canudos e região, pelo sabor das suas guloseimas. Também delas, desconhece-se o paradeiro.

Maria da Guerra, “jagunça braba [no dizer de José Aras, que a entrevistou] heroína no fogo do Cocorobó que lavava os panos dos feridos e curava suas feridas com tanino de umbuzeiro. Defendeu a rua da Caridade na luta contra a força do Coronel Moreira Cezar, matando muito soldado de foice”.[xxxii] Sobreviveu à peleja.

Maria Leandra dos Santos, viúva de Rozendo Maximiliano dos Santos, homem de posse da região do Tucano. Ao final da Guerra foi levada para Alagoinhas, juntamente com outras mulheres. Ficou conhecida pelos atos de solidariedade em favor das suas companheiras de infortúnio, tendo com isto, despendido grande parte da sua herança.

Pimpona, mulher de Honório Vilanova. Passou a ser chamada por este nome, devido à sua encantadora formosura. Foi balconista da loja do cunhado Antônio, e defensora aguerrida do arraial conselheirista, chegando a ser ferida em combate. Evadiu-se com os Vilanova antes de findar a contenda.

Das professoras que atuaram em Canudos conhecem-se pelos menos três: Maria Francisca de Vasconcelos, Maria Bibiana e Marta Figueira. As duas primeiras desapareceram durante a guerra; a última sobreviveu à catástrofe e mudou-se para Salvador.

E a lista continua...

Sem esses devotados sertanejos, Antônio Conselheiro, certamente, não teria erguido o grande “império” dos seus sonhos.


3. A GUERRA

A República recebe o sertão com sangue no joelho.

Depoimento de índio Kiriri

Entre os diversos fatores que motivaram a guerra contra a comunidade sertaneja de Canudos, encontram-se os fatores político, econômico e religioso.

FATOR POLÍTICO

No campo político dominava a ideia de que Canudos era um foco de restauração monárquica, instalado no sertão da Bahia, o que colocava em risco a República então nascente. Tal problemática entra na pauta da política baiana e passa a ser explorada como uma peça a mais na enorme rede de intrigas que envolvia o governador Luis Viana e seu rival, José Gonçalves da Silva.

Tentando forçar uma intervenção federal no Estado, José Gonçalves, em coro com seu aliado, Cícero Dantas Martins, o Barão de Geremoabo, acusa Luis Viana de tolerância em relação aos fatos de Canudos, alegando que se o governador assim procedia era porque nutria algum apreço pela causa da restauração, supostamente assumida no âmbito da comunidade canudense. Pressionado, Viana se decide pelo ataque ao arraial sertanejo.

FATOR ECONÔMICO

Quanto à questão econômica cabe acentuar a insatisfação dos fazendeiros, face à ausência de trabalhadores em suas propriedades.

Com a migração da massa camponesa para Canudos, as fazendas começaram a se esvaziar, agravando ainda mais a escassez de mão de obra provocada pela abolição da escravatura de 1888.

Vários fazendeiros, entre eles o Barão de Jeremoabo, detentor de grandes possessões nas proximidades da “comuna sagrada”, sentiram-se incomodados com tal situação.

A comunidade de Canudos passava a ser encarada como uma forte ameaça ao status quo do sistema fundiário sertanejo que, baseado no monopólio da terra e na escravização da força de trabalho, imperava há séculos por toda aquela região.

A ameaça teria que ser afastada.

Inúmeros fazendeiros da região dirigiram apelos às autoridades da época, solicitando providências no sentido de que fossem desbaratados os sertanejos reunidos em Canudos.

FATOR RELIGIOSO

O “incômodo” se estendia também ao ambiente religioso.

A pregação de Antônio Conselheiro arrastava multidões de fiéis e diminuía de forma significativa a influência da Igreja Católica entre as populações sertanejas, o que – queixava-se o arcebispo da Bahia, Dom Luis Antônio dos Santos – vinha “enfraquecendo não pouco a autoridade dos párocos”.

A ausência de testemunho evangélico por parte dos padres contribuía com esse quadro. Conforme anotou Benício, “o povo comparando a vida austera e moralizada de Antônio Conselheiro com a vida livre e pouco exemplar dos padres seguia de preferência o profeta de Canudos”[xxxiii]. E mais. Inteiramente identificado com a realidade do povo pobre do sertão, Conselheiro procurou conciliar fé e ação, transformando em realidade aquilo que os padres só conseguiam vislumbrar no além túmulo. É nesta perspectiva, aliás, que situamos as inúmeras obras que ele construiu por esses sertões.

Abalada em sua condição de detentora do monopólio da fé, a Igreja engrossa sua perseguição aos insubordinados do Conselheiro. Em relatório encaminhado à Autoridade Eclesiástica da Bahia, dando conta dos insucessos da missão capuchinha a Canudos, realizada em 1895, com o propósito de dispersar a população ali congregada, os missionários sentenciam: “Aí vêm tempos em que forças irresistíveis te sitiarão; braço poderoso te derrubará e, arrasando as tuas trincheiras, desarmando os teus esbirros, dissolverá a seita impostora e maligna, que te reduziu ao teu jugo odioso e aviltante”.[xxxiv]

Tornava-se a Igreja, desta forma, porta-voz dos interesses de todos aqueles que reclamavam o extermínio da comunidade canudense.

EXTERMÍNIO

Em novembro de 1896, o governo republicano, apoiado pelos latifundiários e pela cúpula da Igreja Católica, declara guerra à “aldeia sagrada” dos sertanejos.

Com o propósito de construir uma igreja maior em Canudos, o peregrino negocia compra de madeira em Juazeiro. O material comprado e pago, não foi entregue no prazo determinado. A construção, contudo, tinha que continuar. Então, os canudenses tomam a iniciativa de irem, eles mesmos, a Juazeiro, a fim de conduzir a madeira até Canudos. A notícia chega à cidade san-franciscana e soa mal aos ouvidos do juiz daquela comarca, Dr. Arlindo Leone, antigo desafeto do Conselheiro. O magistrado alarmou por toda a cidade e vizinhança que os canudenses estariam preparando um saque à feira de Juazeiro. Era a oportunidade que Leone esperava, para acertar contas com Antônio Conselheiro.

Para exterminar Canudos o Estado Brasileiro mandou ao sertão da Bahia nada menos que quatro expedições militares, totalizando um contingente de mais de 12 mil homens em armas – mais da metade do efetivo do Exército, naquele momento.

Resistência às expedições


Sob pretexto de que a cidade de Juazeiro estava prestes a ser invadida por moradores de Canudos, Arlindo Leone requisita do governador da Bahia, Luiz Viana, proteção policial, a fim de conter a suposta invasão.

O juiz é atendido e para Juazeiro é enviada a primeira expedição militar. Composta de 100 praças e comandada pelo tenente Pires Ferreira, esta expedição é derrotada pelos canudenses no combate de Uauá.


A capacidade bélica dos sertanejos, inicialmente subestimada, surpreendeu os inimigos.

Imediatamente é organizada a segunda expedição que, sob o comando do major Febrônio de Brito, tinha 543 praças, 14 oficiais e três médicos. Essa expedição também não resistiu. Foi batida pelos sertanejos, que se valiam de armas rústicas, como espingardas, facões, machados, chuchos, etc.


Para comandar a terceira expedição contra Canudos foi escolhida “a maior estrela do florianismo” – na expressão de José Antonio Sola – o coronel Antônio Moreira César, já famoso por ter liquidado a Campanha Federalista de Santa Catarina. Essa expedição reunia 1.300 homens. Também foi derrotada pelos seguidores de Antônio Conselheiro. Moreira César morreu no início dos combates.

As sucessivas derrotas puseram em pânico o Governo da República, que passou a ver em Canudos um perigo cada vez mais real e assustador. Impunha-se, portanto, que se tomassem medidas mais enérgicas. Afinal de contas – acreditava-se – era o destino da República que se encontrava em jogo.

O Governo não tardou e uma nova expedição foi mandada às terras sertanejas, dessa feita, com mais de 10 mil soldados.

A quarta expedição, destinada a fechar o cerco contra Canudos, foi dividida em duas colunas. Uma coluna partiu de Sergipe, a outra de Monte Santo. A primeira, comandada pelo general Savaget; a segunda sob o comando do general Silva Barbosa. Essa expedição contava com batalhões de 17 estados da Federação.


Depois de muita resistência, Canudos, finalmente, é derrotado. As elites, então, puderam respirar aliviadas. Canudos estava liquidado!

No dia 5 de outubro se deram os combates derradeiros. Era o desfecho de quase um ano de luta renhida, em que brasileiros guerrearam contra brasileiros.

Os últimos lances

Os últimos lances dessa epopeia sertaneja foram narrados por Euclides da Cunha, com singular maestria: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados." [xxxv]

Antônio Conselheiro morreu no dia 22 de setembro (1897), de causa ainda não esclarecida. Uns dizem que morreu de disenteria; outros, de ferimentos provocados por bala; outros ainda, que ele “anoiteceu e não amanheceu”.

No dia 6 de outubro, enquanto o arraial ardia em chamas, desenterraram seu corpo e deceparam-lhe a cabeça, a qual, após ser exibida como troféu, foi encaminhada a um laboratório médico, a fim de ser examinada cientificamente. Consumada a morte física do líder, era preciso, agora, decretar-lhe a morte moral. Era necessário que alguém o declarasse como louco.

Contudo, para a ironia da história, o veredicto da ciência declarou Antonio Vicente Mendes Maciel como um homem absolutamente normal.

Canudos entra para a história como um dos maiores e mais violentos massacres já ocorridos em terras brasileiras.

4. O PÓS-GUERRA

A guerra de Canudos foi o requinte da perversidade humana.

Cézar Zama

Transposta a última resistência de Canudos, impunha-se que não ficasse “pedra sobre pedra”. Era esta a recomendação do presidente da República, Prudente de Morais. A guerra, pelo menos do ponto de vista dos vencedores, cessou no dia 5 de outubro de 1897, mas as consequências nefastas da tragédia estender-se-iam por muito mais tempo, ganhando desdobramentos cada vez mais desastrosos.

INCÊNDIO

No dia 6 de outubro, uma vez arrancado da cova e decapitado o cadáver de Antônio Conselheiro, os soldados receberam ordem para atear fogo no pouco que ainda restava da comuna conselheirista. De Canudos não deveria sobrar nada; nem gente, nem coisa alguma. Não poderia subsistir “uma parede em meio, uma viga sequer intacta”, escreveu Aristides Milton.

O Jornalista Fávila Nunes, correspondente da Gazeta de Notícias no teatro de operações, testemunhou de perto o drama horrendo a que fora submetido o arraial de Canudos naqueles momentos derradeiros: “Não se pode dar um passo sem se tropeçar em uma perna, um braço, um crânio, um corpo inteiro ou mutilado, um monte de cadáveres, aqui meio queimado, outro ali ainda fumaçando, outro adiante completamente putrefato (...). Por toda parte o cheiro horripilante de carne humana assada nos braseiros das casas incendiadas (...). O incêndio [continua o articulista natural do Rio Grande do Sul] lavrava desesperado e violento com suas labaredas casas, homens, mulheres e crianças nada poupando, nada respeitando (...). Canudos era uma vasta fogueira”. [xxxvi]

Assim, com o auxílio da dinamite e do querosene, finalizava a República o arrasamento de Canudos. Ao estampido do canhão e ao golpe da baioneta seguia-se a voracidade da chama e do calor.

Da povoação escapou apenas o grande cruzeiro que ficava em frente à igreja Velha e que hoje, crivado de balas, é guardado sob a vigilância cuidadosa do Instituto Popular Memorial de Canudos – IPMC, localizado na cidade homônima.

O arraial que antes havia sido o “repouso” feliz dos pobres e despossuídos transformou-se, dessa vez, num montão de cinzas e escombros. O grito de regozijo do sertanejo dava lugar ao silêncio, à ruína, à desolação. Àquela altura, doenças como a varíola, o beribéri e o sarampo começavam a se alastrar sertão adentro, fazendo perecer milhares de sertanejos.

DEGOLA

Os combates cessaram, mas restou o problema dos prisioneiros. Estes, outrora aguerridos combatentes, agora vagavam pelas vilas do sertão sob o olhar aterrador dos seus carrascos e algozes.

O quadro de humilhação a que foram submetidos os canudenses aprisionados depois da luta sangrenta que dizimou parte considerável da população sertaneja foi apresentado, de forma comovedora, por Lélis Piedade – secretário do Comitê Patriótico da Bahia – em crônica de 17 de outubro de 1897: “Figurem uma tenda de palha, baixa, chão infecto, aqui e ali pedaços de carne, alguns em princípio de decomposição, as moscas em quantidade pousando por toda a parte; e no meio de tudo uma onda humana, acocorada em parte, deitada outra e sobre ela trapos e roupa negra de terra e de sangue velho (...) Na porta de um outro telheiro fomos ver, então, três jagunços, amarrados, de caras repelentes (...)”.[xxxvii]

Tal drama mereceu a atenção também de frei Pedro Sinzig, um dos colaboradores do referido Comitê Patriótico. Estava ele em Cansanção – Bahia, quando presenciou esta cena: “Os homens estavam acorrentados, alguns deles tão barbaramente que as cordas se lhes entranhavam pelas carnes, cortando-as impiedosamente”.[xxxviii]

O ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, que se achava em Monte Santo, ao receber alguns prisioneiros vindos do campo de batalha mandou dizer ao general Artur Oscar, que “ele bem sabia que ele ministro não tinha onde guardar prisioneiros”. Para Cezar Zama, sempre arguto nas suas observações, “O general Artur Oscar compreendeu bem o alcance da resposta do seu superior hierárquico”.[xxxix]

Estava lavrada a sentença dos prisioneiros. Seriam todos degolados! Pagariam caro por terem se insubordinado à ordem republicana. A degola, também conhecida por “gravata vermelha”, ao fazer rolar por terra a cabeça de homens e mulheres, como já havia ocorrido ao próprio Conselheiro, evitaria que outros Canudos viessem a ressurgir, colocando em xeque novamente os interesses das elites brasileiras. Pelo menos era o que pensavam os mentores daquela guerra.

No dia 26 de outubro de 1897 o jornal O Comércio de São Paulo estampava no seu editorial: “Comunicações enviadas de Monte Santo (...) nos revelam a estúpida e inútil carnificina nos prisioneiros jagunços, cruelmente degolados”.[xl]

No mesmo mês escrevia frei Pedro Sinzig no seu diário de campanha: “Os prisioneiros, de que falei acima, tiveram em Queimadas uma morte trágica. Foram todos degolados. Uma testemunha da execução me contou. Nunca mais tive notícias das mulheres que, por feridas nos pés, etc., ou por fraqueza geral, não puderam acompanhar a pé os outros prisioneiros. Que fim teriam levado as infelizes?”.[xli]

Alvim Martins Horcades, outro que acompanhou de perto o desenrolar dos trágicos acontecimentos, como estudante voluntário ao lado do corpo médico, escreveu indignado no seu livro Descrição de uma Viagem a Canudos: “Se não o visse, talvez duvidasse a princípio, esperando que provas cabais surdissem para minha desilusão ser completa; mas feliz ou infelizmente eu vi e assisti a sacrificar todos aqueles miseráveis (...) E com sinceridade o digo: em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros”.[xlii]

Protesto e indignação

Euclides da Cunha, que também se ocupou da degola nas últimas páginas de Os Sertões, deixou consignado veemente protesto contra as atrocidades praticadas contra aquela gente indefesa: “Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a vingança (...) A repressão tinha dois pólos – o incêndio e a faca”.[xliii]

Cunha não foi o único a protestar contra tal estado de coisas. Antes dele, algumas outras vozes, ainda que em número ínfimo, já haviam se posicionado contra o crime bárbaro de que foram vítimas os prisioneiros de Canudos. Pena que tardiamente, quando não se podia fazer mais nada.

Um dos primeiros protestos, neste sentido, partiu dos estudantes da Faculdade Livre de Direito da Bahia que, em “Manifesto à Nação” condenaram o “cruel massacre que, como toda população desta capital já sabe, foi exercido sobre prisioneiros indefesos (...)”.Enquanto a cidade de Salvador se deleitava em manjares e festins em comemoração à vitória das forças expedicionárias, os acadêmicos declaravam seu repúdio ao crime da “jugulação dos míseros ‘conselheiristas’ aprisionados”, considerando tal gesto “como uma aberração monstruosa” [xliv].

O senador baiano Ruy Barbosa, em notas para um discurso em que abordaria o episódio de Canudos, discurso este que, por razões até hoje obscuras, terminou não vindo a público, também tomou parte no caso dos prisioneiros: “Aqueles [escreveu o tribuno baiano], por quem eu não pude, vivos, requerer habeas-corpus, isto é, a justiça, obrigam-me, mortos, a impetrá-lo (...) [Eles]vêm das caatingas do norte, dos campos devastados da guerra, das ruínas lavradas pelo fogo, dos destroços do petróleo e da dinamite; são desarmados, mulheres e criança; mostram no colo o sulco da gravata sinistra; mutilados, eviscerados, carbonizados, estão dizendo: falai por nós, voz da Bahia, voz da justiça, voz da verdade”.[xlv]

A “voz da Bahia”, contudo, levantou-se tarde demais.

Todavia, é de Alvim Martins Horcades o protesto mais contundente que então se levantou contra a degola dos seguidores do Bom Jesus. Vale a pena conhecê-lo: “Belo exemplo [começa ironizando] de civismo e progredimento social! Levantar-se homens de braços atados para trás como criminosos de lesa-magestade, indefesos, e perto mesmo de seus companheiros, para maior escárnio, levantar-se pelo nariz a cabeça, como se fora a de uma ave, e cortar-lhes com o assassino ferro o pescoço, deixando cair a cabeça sob o solo – é o cúmulo do banditismo praticado a sangue frio como se fora um ação nobilitante! Assassinar-se uma mulher pelo simples fato de ser seu companheiro conivente com o que se dava – é o auge da miséria! Arrancar-se a vida a criancinhas que ainda não haviam sentido o mais leve bafejo da ação corruptora do humanismo (...) é o maior dos barbarismos e dos crimes monstruosos que o homem pode praticar!”.[xlvi]

A chacina de Canudos, seguida da degola dos prisioneiros foi, sem soma de dúvida, o mais hediondo dos crimes que o Estado Brasileiro já perpetrou contra os seus próprios cidadãos.

VÍTIMAS INOCENTES

Nem mesmo as crianças foram poupadas das atrocidades decorrentes da ação bélica patrocinada pela elite brasileira contra os pacíficos sertanejos liderados por Antônio Maciel. As crianças, aliás, foram as que mais sofreram com os desastres provocados pela guerra. Os dados a este respeito, embora poucos, pois muitos cronistas preferiram silenciar diante dos fatos, são por demais assustadores.

Os soldados na sua fúria perversa não respeitavam ninguém. Tinham que matar. E matavam indiscriminadamente. Contanto que fosse gente de Canudos. Assim, milhares de crianças foram mortas e incineradas, muitas delas, ao lado dos seus próprios familiares.

Dois anos após o fim do trágico acontecimento, Martins Horcades relatava ter encontrado, só em uma casa, “22 cadáveres já queimados, de mulheres, homens e meninos”. No mesmo relato informava o acadêmico ter visto, “Em uma rua uma mulher, tendo sobre uma das pernas uma criancinha e em um dos braços outra, todas três quase petrificadas!”.[xlvii] Muitas dessas imagens se tornariam conhecidas, graças aos instantâneos de Flávio de Barros, fotógrafo comissionado junto à quarta expedição.

As cenas de barbaridade envolvendo crianças indefesas multiplicavam-se a todo o momento, chegando-se ao extremo da perversidade humana. Um soldado contou a frei Pedro Sinzig que viu um colega de farda pegar uma criancinha pelos pés e arremessá-la de encontro a uma árvore, espatifando-se-lhe a cabeça.[xlviii]

Mas não ficou só nisso.

Depois da vitória das forças expedicionárias quatro mil meninos e meninas, entre 8 e 15 anos[xlix], foram sequestrados e em seguida vendidos por soldados do Exército a fazendeiros e prostitutas da Bahia – e, até mesmo, do Rio de Janeiro – onde acabariam submetidos ora à prostituição, ora ao trabalho escravo.

Em relatório emitido no final de 1897, a comissão do Comitê Patriótico da Bahia, encarregada de recolher as crianças feitas prisioneiras em Canudos, dava conta de “(...) que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas púberes e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas”. (...) Pode-se afirmar [continua o relato] que muitas pessoas procuravam adquiri-las para negócio (...)”. [l]

Como no tempo da escravidão, a comercialização dos menores era feita às claras e, em muitos casos, com recibo de compra e venda. Ao Comitê Patriótico, que tentou recuperar uma criança que se encontrava sob o poder de certo fazendeiro, de nome Emílio Cortes, fornecedor das forças em operação, disse este que “O menino era dele; estava com ele; não tinha que dá satisfação a ninguém, pouco se lhe importava se o pai ou a mãe, ambos fossem Judas ou o diabo; a questão era que o menino lhe tinha sido dado pelo general e disto havia lhe passado o recibo para maior garantia. Não o entregava (...)”. [li]

Além do sequestro e comercialização de órfãos, o relatório do Comitê denunciava também os inúmeros casos de estupro de que eram vítimas as crianças canudenses. Uma destas, Maria Domingas de Jesus, de 12 anos, “Foi desvirginada, violentamente, pela praça do 25° batalhão de infantaria de nome José Maria”.[lii]

Criado inicialmente para prestar socorro aos soldados envolvidos no conflito, o Comitê Patriótico da Bahia, acabaria também se ocupando das vítimas canudenses, especialmente mulheres e crianças prisioneiras. Ao concluir suas atividades, a organização apresentou seu balanço: “Não foi pequeno o número de vítimas que socorremos e abrigamos entre mulheres, crianças e meninos de ambos os sexos, que conseguimos reduzir debaixo da nossa bandeira de caridade, evitando a uns a morte pela falta de conforto e à míngua de recursos, a outros a verdadeira escravidão em que se achavam e, porventura, a prostituição no futuro”.[liii]

PERSEGUIÇÃO

Passada a fase da guerra, uma onda violenta de perseguição foi deflagrada contra os sobreviventes de Canudos, agora estigmatizados como jagunços detestáveis. Ameaçados de morte, muitos desses sertanejos, passaram a perambular pelas veredas do sertão em busca de abrigos mais seguros.

A primeira informação a este respeito veio à luz em 17 de novembro de 1897, durante uma reunião do Comitê Patriótico, em que Lélis Piedade afirmava ter “em seu poder um pedido de sertanejos para advogar a causa de muitos indivíduos, que estão ilegalmente sendo perseguidos por suspeitos de conselheiristas”.[liv] Piedade, inclusive, chegou a assinar, em nome do Comitê, um salvo conduto, garantindo o retorno de alguns ex-combatentes aos seus lugares de origem.

Odorico Tavares, ao visitar a região de Canudos, nos anos quarenta, enquanto preparava uma série de reportagens para a revista O Cruzeiro, - reportagens estas, hoje enfeixadas sob o título Canudos: Cinquenta Anos Depois – ouviu alguns sobreviventes, que lhe narraram acerca da perseguição imposta aos ex-moradores de Canudos.

Um destes, José Travessia, contou que foi “para o mato, comer gravatá e dormir ao Deus dará, para ver se escapava com vida”. Outro, Manuel Ciríaco, lembrou como foi a sua fuga: “No dia 26, consegui deixar o arraial com uns parentes meus e nesta leva saiu também Vila Nova, um amigo de qualidades, amigo dedicado, um homem e tanto. No Jiqui, consegui deixar lá com pessoa de confiança o Vila Nova e prossegui viagem para me resguardar. Soube que a luta tinha acabado, não tinha ficado ninguém. Os soldados iam derrubando tudo, ateando fogo, cortando cabeça (...) Acabou-se Canudos e durante uns dez anos só se vinha aqui de passagem”.[lv]

Presença importante nas hostes conselheiristas, os índios Kiriri também foram vítimas de perseguição. Em depoimento colhido por Maria Lúcia F. Mascarenhas e publicado pela revista Cadernos do CEAS, de Salvador, descendentes desta tribo rememoram a amarga experiência: “A notícia da perseguição correu e os índios, com medo, iam para o Tabuleiro Grande, chamado Tabuleiro de Jeremoabo (...). Com o tempo, teve o “empatamento” para não perseguir mais os índios. Mas morreu uma “inquantidade” de gente. Muitos Kiriri morreram lutando, outros se espalharam, pois quando voltaram a terra estava ocupada pelos brancos. ‘Os que voltaram foi gente pouca e foi assim que nóis começou a ficar sem a terra’. Leodoro, o que foi baleado passou muito tempo escondido, queriam matar ele, pois era jagunço valente”.[lvi]

5. MEMÓRIA: TENTATIVAS DE RESGATE

Alegria povo meu

Pois Canudos não morreu

Está vivo na união

Tá na fé, no coração, no coração.

E Enoque Oliveira

MITO E MEDO

Por muito tempo Canudos foi assunto restrito aos círculos acadêmicos. Nas escolas ensinava-se a versão dos militares. Versão esta, que se encarregava de transmitir uma visão dos fatos de acordo com a ótica do “vencedor”. Esse tipo de abordagem predominou por muitos anos, persistindo ainda hoje entre alguns segmentos da sociedade. Trata-se de uma visão preconceituosa que, sem estabelecer qualquer relação com o contexto em que os fatos aconteceram, reduz Canudos, única e exclusivamente, ao universo do fanatismo religioso.

Do lado do povo prevaleceu o mito e o medo. O discurso, ou o anti-discurso das elites repressoras de Canudos, levado a cabo ao longo de várias décadas, terminou por exercer uma enorme influência sobre a população sertaneja. Os efeitos desse discurso ideológico e ideologizante foram tão desastrosos, que por muito tempo os sertanejos se recusavam a falar de Canudos e Antônio Conselheiro.

É o caso de dona Maria Avelina da Silva, entrevistada por Odorico Tavares em 1947: “Para que adianta está falando nessas coisas? Já passou. Estou velha e quero morrer em paz. (...) Moço, não adianta estar mexendo com essas coisas”;[lvii] ou de seu João de Régis, em depoimento aos jornalistas Sandra Moura e Suênio Campos de Lucena, em setembro de 2001: “Não se podia falar, aquilo era tudo calado. Muita gente se escondia com medo (...). Mesmo depois [dos acontecimentos] não se ouvia contar história da guerra”.[lviii]

O militar e historiador Nelson Werneck Sodré, ao visitar a região de Canudos nos anos cinquenta, fica espantando com a atitude do sertanejo frente à tragédia que se abateu sobre o sertão no final do século XIX: “Senti na pele, passados cinquenta e cinco anos da carnificina, o medo daquela gente. Queria falar-lhes, ouvir deles alguma coisa a respeito da trágica epopeia, e foi dificílimo, não arranquei nada de importante, nada de original, nada de novo”.[lix]

“O SANGUE VIROU ÁGUA E SE FEZ COCOROBÓ” [lx]

A partir dos anos 1960, com a construção do açude Cocorobó, o medo deu lugar ao esquecimento.

Idealizado nos anos quarenta, durante o Governo Vargas, e concluído no final dos anos sessenta, em plena ditadura militar, o açude foi responsável pelo alagamento de praticamente toda a área territorial onde se encontrava o arraial Conselheirista. Proposital ou não, o fato é que a submersão do local onde se desenrolaram os trágicos acontecimentos contribuiu sobremaneira para distanciar o sertanejo da memória canudense. O alagamento dos sítios arqueológicos em questão constitui fato único na história mundial. E o mais grave. Tudo isso feito por obra e graça do Estado Brasileiro. O mesmo Estado que, seis décadas antes assassinara, a ferro e fogo, o povo heroico de Antônio Conselheiro.

Canudos é, como diz Paulo Emílio Matos Martins, “a guerra que não tem fim”. O crime perpetrado contra a população canudense entre 1896 e 1897 aparece, sessenta anos depois, reeditado nas águas sanguinolentas do açude Cocorobó.

A MISSA PELOS MÁRTIRES E O MOVIMENTO HISTÓRICO DE CANUDOS

Nos anos oitenta são dados os primeiros passos com vistas à construção de uma mentalidade que se ativesse, efetivamente, ao resgate desse patrimônio da memória sertaneja. O contexto do momento era o das lutas sociais, destacando-se, aí, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a luta pela terra, a reconquista de sindicatos livres e a redemocratização do país.

A primeira iniciativa, neste sentido, foi a Missa pelos Mártires de Canudos realizada em 28 de julho de 1984, sob a coordenação do padre Enoque José de Oliveira, então vigário da paróquia de Monte Santo, e com o apoio das dioceses de Bonfim, Juazeiro, Paulo Afonso e Ruy Barbosa.

Contando com uma ampla programação que incluía desde shows musicais, recitais de poesias, peças de teatro, etc, até a celebração da Eucaristia, o evento teve lugar às margens do açude Cocorobó, em sábado de sol escaldante, e contou com a participação de milhares de pessoas, provenientes de todas as partes do sertão baiano e até mesmo de outros estados do Nordeste.

A liturgia Eucarística foi presidida por Dom José Rodrigues, então bispo da diocese de Juazeiro, e concelebrada por mais oito sacerdotes ligados às quatro dioceses presentes no evento. Na homilia, proferida da carroceria de um caminhão, um dos tantos que transportaram o povo até aquele local, o prelado destacou a importância do evento e exaltou a história da comunidade canudense: “Estamos celebrando a história de Canudos [ouvia atentamente o autor deste texto] que é a história do povo nordestino: história de dominação política, de exploração, de seca, de miséria, de doença, de analfabetismo, de atraso (...). Estamos celebrando os sonhos e as esperanças de Canudos. O grande sonho que Antônio Conselheiro sonhou nestas paragens foi de criar uma sociedade igualitária, em que todos fossem iguais, na teoria e na prática. Que adianta a constituição do Brasil, no seu art. 153, §1° [referia-se à constituição ditatorial de 1967] dizer que “todos são iguais perante a lei”, quando na prática existe tanta discriminação entre os brasileiros; quando uma minoria vive de mordomias e de esbanjamento, enquanto a grande maioria vive faminta, sem casa, sem emprego, sem terra, sem saúde, sem escola, sem estrada, sem as mínimas condições de sobreviver? Aqui em Canudos Antônio Conselheiro ensaiou um novo estilo de organizar a sociedade...”.[lxi]

A segunda missa, no ano seguinte (1985), ocorreu no dia 5 de outubro, data do término do conflito, e teve como foco a questão da reforma agrária. A Missa pelos Mártires de Canudos manteria seu formato original até 1987, quando se dá o afastamento do Pe Enoque da paróquia de Monte Santo e o consequente esfacelamento do grupo.

Naquele mesmo período (1983-1984) surgia ainda o Movimento Histórico de Canudos que, tendo à frente o já referido Pe Enoque, reunia representações dos mais diversos setores da sociedade, como partidos políticos, igrejas, sindicatos, universidades, órgãos de imprensa, etc.

Com a participação de boa parte dos estados nordestinos, e até mesmo do sul do país, o movimento agregava uma gama considerável de intelectuais, artistas, poetas, lavradores, etc, além de muitas centenas de simpatizantes. Todos estes embalados pela missão sacrossanta de resgatar a memória de Canudos e devolver ao sertão o verdadeiro sentido daquela que foi a mais extraordinária experiência de mobilização social que o Brasil já testemunhou.

Entre as propostas então apresentadas pelo Movimento Histórico de Canudos, destacavam-se: a) registro do dia 5 de outubro no calendário oficial do Brasil; 2) desmistificação da visão falsa que foi ensinada ao povo sobre Antônio Conselheiro e Canudos; 3) defesa da área da guerra, como zona livre à visitação coletiva de estudiosos e romeiros; 4) garantia aos trabalhadores do direito à exploração e proteção do criatório, da pesca, da fauna e da agricultura em toda a área do açude; 5) cobrança de esclarecimento quanto ao projeto de turismo e pesquisa do governo do Estado, tentando retirar novamente dezenas de famílias de suas propriedades (numa referência ao projeto de criação do Parque Estadual de Canudos, que viria a se concretizar mais tarde sob a égide da Universidade do Estado da Bahia - UNEB).

OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

Daí por diante, inúmeros outros segmentos passaram a incorporar o tema Canudos nas suas agendas de discussões. Merecem destaque, neste sentido, os sindicatos de trabalhadores rurais que, naquele momento, começavam a ressurgir como espaços privilegiados de luta e contestação; as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, da igreja católica, na época em plena efervescência, além de alguns segmentos partidários de esquerda que já vinham de uma luta a favor da liberdade e da redemocratização do país.

A isso se seguiram outras iniciativas não menos importantes como a construção do Parque Estadual de Canudos (1986), por parte do Governo do Estado; a criação do Memorial de Canudos, na cidade do mesmo nome, também obra do Governo Estadual; e o Instituto Popular Memorial de Canudos – IPMC (1993), ligado à Igreja Católica e aos movimentos sociais da região. O IPMC, além das atividades de resgate e conservação da memória canudense, ainda custodia o antigo cruzeiro de Canudos, bem como a madeira que o Conselheiro comprou para os serviços de remate da Igreja Nova e que terminou não sendo entregue, fato que desencadeou os boatos maldosos responsáveis pelo início da guerra sertaneja.

A esse conjunto de coisas somam-se ainda outros movimentos e iniciativas oriundos dos mais diversos setores da sociedade como escolas, universidades, igrejas, grupos artísticos, etc.

Em que pese o esforço despendido ao longo desses anos todos, no tocante ao resgate da memória canudense, ainda há muito que se fazer.

Ocorre que os discursos em torno de Canudos e Antônio Conselheiro – que não são poucos – ainda não atingiram o grande público sertanejo. Este, de modo geral, continua refém da versão preconceituosa que os arautos da República se encarregaram de empregar aos fatos relativos à experiência conselheirista.

O ambiente acadêmico, como sempre fechado e cioso, apesar de grandes contribuições no campo da pesquisa e produção, pouco tem ajudado neste sentido. O resultado de seus trabalhos não tem chegado às massas sertanejas, limitando-se a um grupo seleto de estudiosos. Em grande parte dos casos, o povo é utilizado apenas como objeto (e não sujeito) de pesquisa e depois descartado.

Mas não só a academia.

Na maioria das vezes, os grupos envolvidos com essa questão parecem estar voltados mais para seus projetos e interesses particulares do que mesmo para o processo de resgate efetivo da consciência sertaneja.

AVANÇO DAS PESQUISAS

Os anos setenta e oitenta foram anos de extensa produção no campo da pesquisa e dos estudos referentes à temática de Canudos.

Discussões sobre o assunto fervilhavam por toda parte, desde o ambiente acadêmico até os movimentos sociais. Nunca, antes, o assunto despertara, a um só tempo, o interesse de tanta gente.

Lembramos que em anos anteriores àquela década, alguns renomados intelectuais brasileiros tomaram parte na questão produzindo, a partir da oralidade sertaneja, trabalhos altamente significativos. Esses pensadores inauguraram aquilo que José Calasans chamou de ciclo pós-euclidiano. Ou seja, quando o assunto Canudos rompe o aprisionamento da chamada “gaiola de ouro” d’Os Sertões, e passa a ser interpretado a partir de outras leituras e perspectivas.

No rol desses intelectuais estão Odorico Tavares, jornalista dos Diários Associados do Nordeste que, em 1947, ano do cinquentenário da luta fratricida, publicou na revista O Cruzeiro, uma série de reportagens a partir da fala de alguns remanescentes da guerra, e Luciano Carneiro que, em 1953, editou na mesma revista parte dos discursos de Antônio Conselheiro. Em seguida, vieram os trabalhos igualmente valiosos de Paulo Dantas, Abelardo Montenegro, Nertan Macedo, José Aras, Manoel Funchal Garcia e José Calasans.

O testemunho dos sobreviventes da guerra e, paralelo a isto, a publicação das prédicas do beato de Canudos representaram uma importante mudança na forma de se conceber o movimento conselheirista. A partir daí, começa a se formar uma nova visão dos fatos e muitos dos preconceitos construídos ao longo daqueles primeiros cinquenta anos, o período de maior influência da obra euclidiana, passaram a ser dissipados.

Dessa época são também as valiosas contribuições de Rui Facó, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Duglas Teixeira Monteiro e Ataliba Nogueira.

Nas décadas em questão, destacam-se dois grandes autores: no plano nacional, Edmundo Moniz e no plano internacional, Mário Vargas Llosa. Os dois marcariam profundamente a história da literatura concernente à epopeia conselheirista. Moniz, autor das obras Canudos: a guerra social e Canudos: a Luta pela terra, faz uma leitura do movimento conselheirista a partir de uma visão marxista, afirmando ser Canudos “a tentativa heroica de estabelecer uma sociedade igualitária no sertão da Bahia”.

Embora mereça alguma crítica, seja pela ausência de rigor científico, seja pelo acentuado traço ideológico, a obra de Edmundo Moniz ostenta o mérito de ter provocado a sociedade brasileira para uma discussão mais madura e mais aprofundada, acerca das reais motivações que transformaram o sertão baiano em palco de um dos maiores acontecimentos da história nacional.

Mário Vargas Llosa, político e romancista peruano, é autor do clássico A Guerra do Fim do Mundo, livro que narra a história da Guerra de Canudos, mesclando personagens reais e fictícios.

Elaborado com base em elementos retirados d’Os Sertões, de Euclides da Cunha, o romance apresenta, com admirável riqueza de detalhes, a vida do sertão nordestino no final do século XIX, despertando a atenção do leitor, entre outras coisas, para o modo como se davam as relações sociais num contexto marcado, predominantemente, pela chamada política dos “coronéis”. Trata-se de uma importante ferramenta de estudo, mesmo que esta não seja a sua pretenção.

Nas décadas posteriores vieram a lume várias outras contribuições, merecendo destaque os trabalhos de Walnice Nogueira Galvão, Alexandre Otten, Marco Antônio Villa, Eduardo Hoornaert e do americano Robert Levine.

Atualmente, é incalculável o número dos que se ocupam da temática. Não é exagerado afirmar que Canudos e Antônio Conselheiro, têm sido, no Brasil, um dos temas mais discutidos no âmbito da História e das ciências sociais. Sua presença é assegurada também em outros domínios do pensamento humano, como a ficção, a música, a poesia, o teatro, o cinema, a fotografia, as artes plásticas, entre outros.

6. ECOS DE CANUDOS

Os acontecimentos de Canudos continuam a se repetir no Brasil a cada instante. Quando, no interior, uma milícia de poderosos, governamentais ou não, assassina um pobre posseiro e sua família, é o Brasil dos que incendiaram, assolaram e arrasaram Canudos, que está atirando, que está matando o Brasil real, o do Povo. Quando numa cidade qualquer, a Polícia invade e destrói uma Favela, é outro dos nossos inumeráveis Arraiais-de-Canudos que está sendo destruído e assolado pelo Brasil oficial.

Ariano Suassuna.

O POETA D’OS SERTÕES

Uma das inteligências mais vigorosas da história do pensamento brasileiro, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em 20 de janeiro de 1866, numa fazenda modesta no município de Cantagalo, província do Rio de Janeiro. Aos três anos fica órfão de mãe, passando a viver com parentes. Em 1874 ingressa na Escola, vindo a frequentar diversos estabelecimentos de ensino. Em um destes, é aluno do positivista Benjamim Constant. Em 1885 matricula-se no curso de engenharia da Escola Politécnica, mas sem recursos para arcar com o estudo, muda para a Escola Militar, de onde é expulso pouco tempo depois, por razões de indisciplina. Casa-se com Ana Emília, filha do major republicano Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro. Em 1890, matricula-se na Escola Superior de Guerra, onde conclui o curso de Artilheiro de Estado Maior e Engenharia, bacharelando-se em Matemática e em Ciências Físicas e Naturais. Trabalha na Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1897 é enviado ao sertão da Bahia, pelo Jornal O Estado de São Paulo, com a missão de cobrir a Guerra de Canudos. Em 1902 lança através da Editora Laemmert, do Rio de Janeiro, Os Sertões: Campanha de Canudos, obra em que aborda de forma magistral, o episódio que abalou o Brasil e a República. No ano seguinte é eleito para uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Em 1904, a convite do Barão do Rio Branco, viaja ao Alto Purus (região amazônica), chefiando missão demarcadora de fronteiras. No ano de 1906, toma posse na Casa de Machado de Assis. Morre em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade, em duelo com Dilermando de Assis, amante de sua esposa.

Em novembro de 1888, demonstrando fidelidade aos ideais republicanos, se insubordinou contra o ministro da Guerra do Império, quando da visita deste à Escola Militar, atirando no chão o próprio sabre. Tal fato lhe custou a prisão e, posteriormente, a expulsão da Escola. Um ano depois, com a proclamação da República, se reintegrou ao Exército e foi promovido a tenente. Em 1896 divergiu de Floriano Peixoto quanto ao tratamento dado aos prisioneiros da Revolta da Armada (1893-1894) e se desligou definitivamente do Exército.

Euclides da Cunha foi responsável, entre outras coisas, pela descoberta de um Brasil que até então era desconhecido: o Brasil do interior. Ele trabalhou com a tese – a mesma da Escola Romântica - de que a construção da identidade nacional brasileira que, na sua visão, ainda estava por acontecer, teria, inevitavelmente, que buscar seus fundamentos na profundidade do Brasil interiorano. Segundo ele, era lá que estava “o cerne da nossa nacionalidade”.

Dedicado aos estudos das questões brasileiras, conforme pontifica Olímpio de Souza Andrade, Euclides valeu-se “da ciência para examinar sob vários aspectos a conformação do território brasileiro, seus ares, suas águas, sua flora, sua fauna, bem como a evolução do povo brasileiro, ressaltando conflitos entre estágios diversos de civilização. Mas principalmente valeu-se disso tudo, com engenho e arte, assim vendo o que os outros não viam, e dizendo-o numa linguagem clara e precisa, de rara beleza”.[lxii]

Esta é a tônica de toda produção literária de Euclides da Cunha, sendo que Os Sertões é a obra que melhor encarna a preocupação do autor. Dividido em três partes, a saber, a Terra, o Homem e a Luta, o livro faz ampla e profunda abordagem acerca da geografia do Nordeste e dos tipos humanos que povoam essa parte do Brasil, culminando com o conflito entre as forças legais e a gente de Antonio Conselheiro.

O crítico literário José Veríssimo, impressionado com a magnitude da obra em questão, assim se expressou: “O livro (...) do Sr. Euclides da Cunha, é ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza, como ao contato do homem (...)”.[lxiii]

Trata-se da avaliação de quem realmente conseguiu penetrar o âmago da obra e dela subtrair o que possa haver de mais substancial. Veríssimo, como Euclides, era um intelectual comprometido com as questões nacionais, principalmente aquelas relacionadas à Amazônia, chegando a produzir alguns trabalhos sobre o assunto. A crítica do autor de Cenas da Vida Amazônica, não só resume o conteúdo de Os Sertões, como também dá a dimensão exata da obra e do autor.

Não é descabida, pois, a opinião dos que defendem que o filho ilustre de Cantagalo exerceu papel fundador na cultura brasileira, a exemplo de Cervantes na Espanha, Goethe na Alemanha e Camões em Portugal.

Como homem de ciência, sintonizado com o que havia de mais avançado no âmbito da intelectualidade, e imbuído dos ideais do positivismo - corrente filosófica que defendia o primado da razão como único meio de construção da civilização e, por conseguinte, da ordem e do progresso dos povos - além de intransigente defensor da causa brasileira, Euclides da Cunha foi firme e enérgico na defesa das suas convicções mais profundas. Terminou se decepcionando com a República – regime que tanto defendeu – quando percebeu que esta não estava conseguindo responder à expectativa do povo brasileiro. E, uma vez decepcionado, acabou se transformando em crítico ferrenho do modelo político inaugurado por Deodoro da Fonseca.

Para Gilberto Freire “Ele [Euclides da Cunha] foi a voz que clamou a favor do deserto brasileiro: Endireitai os caminhos do Brasil (O Brasil era o seu “sonho”) os caminhos entre as cidades e os sertões. Esta foi a grande mensagem de Euclides: que era preciso unir-se o sertão com o litoral para a salvação – e não apenas conveniência – do Brasil. Ninguém mais do que ele enalteceu tanto o sertão e o sertanejo. Em Euclides [é ainda o autor de Casa Grande e Senzala quem se pronuncia] a tendência foi quase sempre para engrandecer e glorificar as figuras, as paisagens, os homens, as mulheres, as instituições com que se identifica (...) o vaqueiro, o sertanejo, o próprio jagunço. Até mesmo o negro dos sertões – sobrevivência do quilombola colonial – sai engrandecido de suas páginas”.[lxiv]

Euclides da Cunha é, sem soma de dúvidas, o nosso Homero dos trópicos, o imortalizador da tróia de taipa de Beatinho, Pajeú e Antônio Conselheiro.

CANUDOS E A QUESTÃO DA TERRA

Afonso Arinos de Mello Franco, escrevendo sobre a guerra de Canudos, ainda no calor da hora, afirmava ter tido aquele episódio o mérito de denunciar, perante as instâncias do poder, “o desprezo ou o olvido a que fora relegada” a região sertaneja. Tinha razão, o autor de Os Jagunços. Porém, Canudos pode denunciar muito mais. Ele pôs em evidência a própria causa do atraso e da miséria do sertão.

Canudos, ao lado de tantos outros movimentos camponeses, foi consequência de um problema cuja origem remonta à colonização: o monopólio da terra. Um legado que chega aos nossos dias, projetando o Brasil no rol mundial dos países com maior concentração de terra.

É óbvio que o Brasil de hoje é diferente do Brasil de outros tempos. Todavia, no que toca ao sistema fundiário quase nada mudou. O latifúndio resistiu a todas as grandes transformações porque passou o país durante séculos, e de todas elas saiu imune. Neste sentido, o Brasil é um país extremamente atrasado, conservador e injusto.

Como é possível pensar em justiça social, convivendo-se com um sistema fundiário que exclui o cidadão, condenando-o à miséria, quando não à própria morte?! É inconcebível que 12 milhões de camponeses (em 1997), não tenham de onde tirar o pão, enquanto 166 milhões de hectares de terra fértil (o que corresponde três vezes à França), “repousam em paz” sob a custódia do arame farpado. A concentração da terra é, acima de tudo, um dado de injustiça social.

No momento em que se comemora o centenário do massacre do Belo Monte (1997), a situação do campo não é muito diferente daquela no âmbito da qual teve lugar o movimento liderado por Antônio Conselheiro: monopólio, exploração, exclusão, conflito... Canudos, fundamentalmente, foi uma reação do sertanejo (poderia ter sido do sulista), a tal situação. Ou seja, foi um movimento em função da terra; a seu modo, foi uma tentativa de reforma agrária. Tentativa esta, que, aliás, deu certo

Em apenas três anos, e localizada em uma das áreas mais secas do sertão baiano, Canudos foi responsável por sua autossustentação. O jornalista Manoel Benício, que ali esteve durante a guerra, informou que havia em Canudos “plantações de diversos legumes, milho, feijão, favas, batatas, melancias, melões, jeremuns, cana-de-açúcar (...) Havia, ainda, “sítios, pomares, fazendolas de criação de bode, animais vacuns e cavalares...” Outro testemunho que comprova o sucesso da comunidade canudense, nos vem do Dr. Nina Rodrigues, o mesmo que examinou o crânio do beato: “Em curto prazo, Antonio Conselheiro havia transformado Canudos de estância deserta de abandonada em uma vila florescente e rica”.

Canudos, então, representava uma ameaça à ordem do sistema fundiário, o qual resiste; e, com o apoio do Governo sai vitorioso.

Cem anos depois, continuam as ocupações; os pequenos “canudos” aqui e acolá. Os camponeses não desistem de lutar pelo espaço que na história brasileira parece nunca haver lhes pertencido. Por sua parte, os senhores da terra, agora vestindo a camisa do neoliberalismo, continuam a reagir. O método é sempre o mesmo. Que o diga a memória dos mortos de Corumbiara, Eldorado dos Carajás, e tantos outros “eldorados” da morte disseminados por este país “abençoado por Deus”.

A luta pela terra continua; e, enquanto não desmoronar o último latifúndio, ela não cessará. É o sistema que assim o quer.

Nota: artigo publicado, originalmente, no jornal A Tarde, de Salvador, edição do dia 3 de abril de 1997 e no jornal GAC de Monte Santo, edição de agosto de 1997.

CANUDOS E AS NOSSAS FAVELAS

Em 1997 a Guerra de Canudos completará um século. Na mesma ocasião teremos também o centenário da primeira favela brasileira. E o que tem a ver uma coisa com a outra?

A favela (Cnidosculus phyllacanthus M.) é uma euforbiácea própria dos tabuleiros rasos e pedregosos dos sertões nordestinos. Apesar dos seus temíveis espinhos, cuja picada pode provocar inflamações e até mesmo aleijar, suas folhas maduras constituem item básico na ração animal. As sementes servem para engordar galinhas, porcos, caprinos e ovinos.

Algo comum na toponímia brasileira, o nome dessa espécie vegetal, acabou batizando pequena elevação situada nas proximidades de Canudos, assim chamada “Alto da Favela”. No tempo da guerra de Canudos era ponto privilegiado para os ataques inimigos, visto que dali se tinha toda a panorâmica do arraial sagrado. Por esta razão, o Alto se tornou lugar de grande concentração, de modo que o seu nome logo ficou conhecido.

A guerra que durou um ano custou a vida de aproximadamente 15 mil pessoas, entre soldados e canudenses. Dos 20 mil homens que compunham o Exército Brasileiro naquela época, 12 mil foram mandados para combater em terras de Canudos. Para o Governo, que temia a restauração da Monarquia por parte dos conselheiristas, a sorte da recém-imposta República brasileira estava nas mãos dessa parcela do Exército e seria decidida no sertão da Bahia. Depois de amargar quatro derrotas sucessivas, as forças oficiais, finalmente, batem Canudos. A República estava salva.

Ao término da guerra o governo prometeu construir casas para os combatentes que, em sua grande maioria, eram do Rio de Janeiro. A promessa, contudo, não foi cumprida. Ao regressarem à capital federal, abatidos e frustrados nas suas expectativas, os combatentes ocuparam o Morro da Providência, nas proximidades do então Ministério da Guerra, e ali passaram a se abrigar em barracos de madeira. No início do século XX, com a reforma urbana de Pereira Passos, os cortiços que ficavam no centro da cidade foram demolidos e os pobres que neles viviam acabaram se juntando aos praças que moravam lá no morro. Por analogia ao Alto da Favela, onde os tais praças haviam combatido, aquele aglomerado de casebres passou a se chamar favela. Desta forma, nascia a nossa primeira favela brasileira: das cinzas de Canudos e do descaso do Governo. Daí para cá, as favelas se proliferaram e encheram o Brasil de ponta a ponta. Os governos que sucederam Prudente de Morais – o presidente que patrocinou a guerra – nada fizeram para resolver o problema habitacional, o qual é cada vez mais dramático.

Se os governos tivessem levado em conta o exemplo de Canudos, ao invés de massacrá-lo, a questão habitacional talvez fosse bem diferente! Em Canudos não havia falta de moradia. Todos tinham onde morar. E como explicar tal fato? A questão de fundo era a terra. Se todos tinham onde morar, é porque havia fonte de renda que lhes assegurava tal condição. Esta fonte era, indubitavelmente, a terra.

A reforma agrária que a República prometeu e não fez, foi concretizada em Canudos, libertando os sertanejos da fome e do jugo dos coronéis. A seu modo, Canudos foi a mais exitosa experiência de reforma agrária que o Brasil já conheceu. Tanto é verdade, que em apenas três anos aquela comunidade construiu uma economia capaz de suprir as necessidades de aproximadamente 10 mil pessoas, e ainda poder exportar. São unânimes, neste particular, todos os historiadores de Canudos, inclusive os opositores do Conselheiro.

Isso nos mostra que só a reforma agrária conseguirá resolver os grandes problemas do Brasil, principalmente o do déficit habitacional. A favela é uma das consequências da concentração fundiária. Basta ver que grande parte das favelas brasileira é habitada por pessoas provenientes do campo. Ou seja, por aqueles que não encontrando espaço no meio rural, são levados a “tentar” a vida nos grandes centros urbanos.

100 anos já se passaram; a voz do Conselheiro foi calada; as ruínas de Canudos foram submersas nas águas do Cocorobó; a secularmente prometida reforma agrária ainda não foi feita; as favelas cada vez mais ganham proporção (atualmente [1996] o número de favelados alcança a cifra dos 18 milhões); os governantes sempre de braços cruzados, “crescendo a pança” e contemplando a desgraça alheia... Quantas favelas ainda teremos que erguer até que a terra seja distribuída aos seus verdadeiros donos?

Talvez o povo brasileiro precise cantar como cantou Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Há 100 anos os matutos de Canudos já tinham essa consciência.

Ou queremos mais favelas?


Nota: Artigo publicado originalmente no Jornal A TARDE, Salvador/Bahia, em 9 de dezembro de 1996. O texto é também parte integrante do livro "Recortes de Canudos" de autoria de Raimundo Gama, Editora EDA-Bahia e Universidade Tiradentes - UNIT, Salvador, Ba

100 ANOS DA MISSÃO CAPUCHINHA A CANUDOS

Vários acontecimentos relacionados à guerra de Canudos estarão sendo rememorados até 1997, ano do centenário do terrível conflito que abalou o nordeste brasileiro.

Em 1993 foi a vez do centenário da construção de Canudos, ou Belo Monte, arraial situado no sertão da Bahia, à beira do Rio Vaza-Barris, em área hoje coberta pelas águas do açude Cocorobó. Fruto da ação do peregrino cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, junto a seus seguidores, Canudos representou o eterno sonho do povo nordestino: terra livre e justiça social. Ali, longe da truculência dos “coronéis”, o sertanejo pôde viver, de fato, a partilha e a solidariedade.

Este ano (1995), é a vez do centenário da missão capuchinha realizada na comunidade de Canudos com o objetivo de dispersar os adeptos de Antônio Conselheiro. O que poderia significar tal missão, no desenrolar do processo que culminou no extermínio do arraial sertanejo?

UMA COMUNIDADE AUTO-SUFICIENTE

A comunidade de Canudos cresceu e se tornou auto-suficiente. Não dependia do Estado, nem dos senhores da terra. Isso representou uma afronta ao sistema político e fundiário.

Do lado religioso, a pregação do Conselheiro obtinha grande respaldo por parte das populações sertanejas. Isso deixava a Igreja enciumada. Os fiéis preferiam as prédicas do Conselheiro, aos sermões enfadonhos dos párocos. O arcebispo da Bahia, por mais de uma vez, se manifestou contra o beato cearense.

Com efeito, a preocupação da Igreja se une à do Estado e a dos fazendeiros. O governador da Bahia recorre ao arcebispo, e este manda ao sertão dois capuchinhos do Hospício da Piedade (Salvador): frei João Evangelista do Monte Marciano e frei Caetano de São Léo que, acompanhados do padre Vicente Sabino, vigário do Cumbe (atual Euclides da Cunha – Bahia), missionam em Canudos de 13 a 20 de maio de 1895.

A ida dos missionários ao Belo Monte tinha como proposta desarticular os moradores e pôr fim à comunidade. Além de outras fontes que tratam do assunto, o próprio frei João Evangelista, confirma esse propósito.

Contudo, o objetivo imediato da missão não foi alcançado. Repelidos por todos, os religiosos tiveram que regressar antes mesmo do prazo previsto. Voltaram para casa levando consigo os traumas do fracasso.

O relatório encaminhado por Frei João Evangelista ao arcebispo da Bahia, apresentando o (in) sucesso da missão capuchinha, um dos documentos mais importantes da historiografia canudense, não apenas revela a real intenção dos frades, qual seja a de dissuadir a comunidade conselheirista, como também ataca a imagem do Conselheiro e do Belo Monte. Caracterizado pela má vontade dos que ali foram, com o firme propósito de desestabilizar a organização, o relatório torna-se peça fundamental de apoio aos inimigos do Conselheiro e sinal verde para o ataque do Governo, fato que se consumará um ano e meio mais tarde.

AS INVERDADES DO RELATÓRIO

O relatório do frade trata basicamente de três questões:

Questão política

Dando bastante ênfase ao aspecto político, o relato de frei João acusa Antonio Conselheiro de inimigo da Republica e restaurador da Monarquia.

Trata-se, porém, de acusação infundada, pois mesmo os inimigos do Conselheiro, entre os quais Rui Barbosa, reconheceram não ter havido em Canudos “o mais leve indício de mescla restauradora”.

Não é de se desconhecer a natureza política do movimento conselheirista. Mas isto não implicou na defesa de nenhuma bandeira, fosse ela monarquista, ou de qualquer outro matiz ideológico. A intenção de Antônio Conselheiro – tanto sua prédica, como sua prática o atestam – era criar uma comunidade solidária, nos moldes das primitivas comunidades cristãs. Uma ideia dessa natureza, em meio a um sistema que tratava os pobres como simples mão-de-obra, só tinha mesmo que gerar conflito.

Questão religiosa

O documento do frade também aponta o Conselheiro como fanático, herege e cismático; alguém a conduzir o povo por um caminho diferente do da verdadeira religião.

Todavia, as prédicas do beato revelam o contrário. Nelas não há nada que distoe da ortodoxia Católica. Basta ver com quanta insistência ele cita os grandes mestres da Igreja, a exemplo de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São João Crisóstomo e outros tantos. Se a pregação do Conselheiro diferia da de certos padres, era porque procurava transferir para a terra aquilo que eles só conseguiam enxergar no além-túmulo.

Questão econômica

Os capuchinhos afirmam que Canudos viva em estado de “extrema miséria”, em que as pessoas chegavam mesmo a morrer de fome.

Outros testemunhos da época contrariam tal afirmação. Cézar Zama, político baiano, e Manoel Benício, jornalista e militar, garantem ter sido Canudos uma comunidade economicamente próspera. Aproveitando a fertilidade do Vaza-Barris, lá se cultivavam legumes, cereais, mandioca, cana, etc. Tudo com muita fartura. O bode assumia papel importante no âmbito da economia canudense. O arraial de Canudos tornou-se ponto importante de venda de peles “o que proporcionava ao Estado pingue fonte de receita de imposto de exportação sobre peles”. Informa Zama.

O relatório preconceituoso de frei João acabou por entregar Belo Monte à violência do Governo. Ele termina sentenciando o destino dos canudenses: ”Aí vem tempos em que forças irresistíveis te sitiarão, braço poderoso te derrubará, arrazando as tuas trincheiras, desarmando os teus esbirros, dissolverá a seita impostora e maligna”.

A missão, que a principio pareceu fracassada, conseguiu seu sucesso com o efeito do relatório que dela se originou. Aquele que era seu objetivo imediato, só foi alcançado no final de 1897: a completa dispersão da comunidade num genocídio que ceifou a vida de milhares de pessoas, entre conselheiristas e homens de armas. Era o trágico fim de uma gente que sonhou ser feliz.

Ainda bem que o sonho não morreu!

Nota: artigo publicado no Jornal de Opinião da Arquidiocese de Belo Horizonte, edição de 8 a 14 de abril de 1995.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O arrasamento de Canudos não significou o fim dos ideais de Antônio Conselheiro. Os sonhos de uma vida nova, pautada nos princípios da solidariedade e plenamente livre da dominação de uma estrutura sócio-político-econômica que, há centenas de anos, oprime as camadas menos protegidas da população, continuam vivos na mente e no coração do povo brasileiro.

São esses sonhos que impulsionam os novos conselheiristas – os conselheiristas do século XXI – na luta por uma nova ordem social. Ordem social esta, que deverá primar, entre outras coisas, pela distribuição equitativa da terra; por uma economia baseada nos princípios do cooperativismo e da solidariedade; por uma escola mais crítica e voltada para diversidade sócio-cultural do nosso povo e por uma postura política mais inclusiva em relação aos grupos minoritários da nossa sociedade.

Euclides da Cunha, responsável pelo principal relato a respeito do trágico episódio que abalou a nação brasileira no final do século XIX, proclamou ao final da guerra que “Canudos não se rendeu”. Hoje, transcorrido mais de um século, nós declaramos aos quatro ventos que Canudos não só não se rendeu, como também não morreu. Ele pulsa no coração de cada filho do Brasil.

[i] CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Ed. Editora Cultrix, São Paulo, 1975, p. 122.

[ii] ALVES, Lizir Arcanjo. Humor e Sátira na Guerra de Canudos, EGBA, Salvador, 1997, p. 184.

[iii] TAVARES, Odorico. Canudos: Cinqüenta Anos Depois. Conselho Estadual de Cultura, Salvador, 1993, p. 48.

[iv] CARNEIRO, Luciano. Os Conselhos de Antônio Conselheiro in: O Cruzeiro. Rio de Janeiro. 26(8): 6-12.

05/12/1953. p.12.

[v] GALVÃO, Walnice Nogueira. No Calor da Hora, Editora Ática, São Paulo, 1977, p. 85.

[vi] MONTENEGRO, Abelardo. Antônio Conselheiro. Editora A. Batista Fontenele, Fortaleza, 1954, p. 11.

[vii] QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no Mundo, Dominus Editora, S.A. São Paulo, 1965, p.p. 290-328.

[viii] Idem, p.204.

[ix] Cf. MONIZ, Edmundo. Canudos: A Guerra Social. Elo Editora e Distribuidora, Rio de Janeiro, 1987, p.p. 57-82.

[x] FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 2ª edição. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980, p. 118.

[xi] Cf. MONTE MARCIANO, Frei João Evangelista de.Relatório apresentado pelo Frei João Evangelista do Monte Marciano ao arcebispo da Bahia sobre Antonio Conselheiro e seu séqüito no arraial de Canudos. Centro de Estudos Baianos, Salvador, 1987, p.04; CARNEIRO, Luciano. Os conselhos de Antônio Conselheiro in: O Cruzeiro. Rio de Janeiro. 26(8): 6-12. 05/12/1953, p. 12.

[xii] NOGUEIRA, Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1978, p. 176.

[xiii] BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. O Partido Republicano Conservador, Discursos Parlamentares. Vol. XXIV, 1897, tomo I, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, p. 1952, p. 68.

[xiv] BARRETO, Dantas. Accidentes da Guerra. 2ª Edição, Recife, Livraria Econômica,1914, p. 40.

[xv] GARCEZ, Angelina Nobre Rolim. Aspectos Econômicos do Episódio de Canudos. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1977, p. 27.

[xvi] RODRIGUES, Nina. As Coletividades Anormais. Edições do Senado Federal, Brasília, 2006, p. 47.

[xvii] BENICIO, Manoel. O Rei dos Jagunços. Editora Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1997, p. 92.

[xviii] ZAMA, César. Libelo Republicano Acompanhado de Comentários Sobre a Guerra de Canudos. Centro de Estudos Baianos, Salvador,1989, p. 54.

[xix] TAVARES, Odorico. Op. cit. p. 48.

[xx] MACEDO, Nertan. Memorial de Vila Nova, Editora Renes Ltda, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1983, p. 67.

[xxi] BENICIO, Manoel. op. cit. p. 92

[xxii] Idem, p. 93.

[xxiii] Cf. MARTINS, Paulo Emílio Matos. A Reinvenção do Sertão. Editora Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2000, p. 73.

[xxiv] CUNHA, Euclides da. Op. cit. pp. 150-152.

[xxv] MACEDO, Nertan. Op. cit. p. 68.

[xxvi] Cf. CUNHA, Euclides da. Caderneta de Campo. Editora Cultrix, São Paulo, 1975, p. 23.

[xxvii] Cf. PIEDADE, Lelis. Comitê Patriótico da Bahia. 2ª ed. Portfolium Editora, Salvador, 2002, p. 233.

[xxviii] BENICIO, Manoel. Op. cit. p.p. 91-92

[xxix] Cf. MONIZ, Edmundo. Op. cit. p. 137.

[xxx] ANDRADE, Olímpio de Souza. História e Interpretação de "Os Sertões. EDART, São Paulo, 1961, p.p.292-293.

[xxxi] CUNHA, Euclides da. Canudos: Diário de uma Expedição. Livraria José Olímpio Editora, Rio de Janeiro, 1939, p. 38.

[xxxii] ARAS, José. Sangue de Irmãos. Museu de Bendegó, Salvador, 1953, p. 159.

[xxxiii] BENICIO, Manoel. Op. cit. p.28

[xxxiv] MONTEMARCIANO, Frei João do. Op.cit. p. 07

[xxxv] CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Editora Cultrix, São Paulo, 1975, p. 392.

[xxxvi] GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. cit, p.p. 207-211.

[xxxvii] PIEDADE, Lelis. Op.cit. p. 198.

[xxxviii] SINZIG, Frei Pedro. Reminiscências d’um Frade. Segunda edição, Typ. das Vozes de Petrópolis, Rio de Janeiro, 1925, p.195.

[xxxix] ZAMA, César. Libelo Republicano Acompanhado de Comentários Sobre a Guerra de Canudos. Centro de Estudos Baianos, Salvador, 1989, p. 33.

[xl] GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. cit, p. 102.

[xli] SINZIG, Frei Pedro. Op. cit , p. 204.

[xlii] HORCADES, Alvim Martins. Descrição de uma Viagem a Canudos. EGBA/EDUFBA, Salvador, 1996, p. 102-103.

[xliii] CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Ed. Editora Cultrix, São Paulo, 1975, pp. 367-368.

[xliv] MILTON, Aristides. A Campanha de Canudos. Edições do Senado Federal, Brasília, 2003. p.p. 143-145.

[xlv] BARBOSA Rui. Op. cit. p. 301.

[xlvi] HORCADES, Alvim Martins. Op. cit., p.p. 104-105

[xlvii] Idem, p. 91.

[xlviii] SINZIG, frei Pedro. Op. cit. p.199.

[xlix] CHIAVENATTO, Júlio José. Jornal do Brasil, 09/06/1993, p. 06.

[l] PIEDADE, Lelis. Op. cit. p. 212

[li] Idem, p. 220.

[lii] Idem, p.212.

[liii] Idem, p.211.

[liv] Idem, p.119.

[lv] TAVARES, Odorico. Op. cit. p.p 42- 47

[lvi] MASCARENHAS, Maria Lúcia F. Rio de Sangue e Ribanceira de Corpos. In Cadernos do CEAS, Salvador, 1997, p. 66.

[lvii] TAVARES, Odorico. Op. cit. p, 40.

[lviii] FERNANDES, Rinaldo de. (Org.) O Clarim e a Oração – Cem Anos de Os Sertões. Geração Editorial, São Paulo, 2002, p. 488.

[lix] WERNECK SODRÉ, Nelson. Do Tenentismo ao Estado Novo: Memórias de

um Soldado. 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 245.

[lx] Trecho da música Canudos, 1897, de Carlos Pita (1981), interpretada por Roze.

[lxi] RODRIGUES, José. In Informativo /CPT nº 08 julho/agosto/84 – ano II, Juazeiro – Bahia, 1984, p.p. 18-19.

[lxii] ANDRADE, Olímpio de Souza. In EUCLIDES, Cunha da. Os Sertões, Editora Tecnoprint S. A., Edi Jovem, s/d, p. V.

[lxiii] VERÍSSIMO, José. Uma história dos Sertões e da Campanha de Canudos, in Juízos Críticos – Os Sertões e os Olhares de sua Época, Nankin Editorial/Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 46.

[lxiv] FREIRE, Gilberto. Introdução in CUNHA, Euclides da. Canudos: Diário de Uma Expedição.Liv. José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1939, p. XIII.


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