Presidente da Academia da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim
Comemora-se este ano o centenário de morte de José Gonçalves da Silva, um dos personagens mais vibrantes da história baiana, tendo sido, entre outras coisas, o primeiro intendente de Senhor do Bonfim e o primeiro governador constitucional da Bahia.
José Gonçalves nasceu em Mata de São João, em 28 de dezembro de 1838. Em 1859 formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Logo em seguida, 1860, mudou-se para a fazenda Piabas, na época território de Villa Nova da Rainha, hoje município de Campo Formoso. Ali exerceu a atividade política, filiado ao Partido Conservador.*
Em 1862 foi nomeado Coronel da Guarda Nacional em Vila Nova da Rainha, confirmando-se, destarte, o prestígio do jovem bacharel de apenas 24 anos, que, logo em seguida, ingressa na carreira política, onde atuou por mais de quatro décadas.
De fato, pouco tempo depois, em 1865, assumiu ele o comando local do Partido Conservador e, no mesmo ano, tendo lugar as eleições municipais, impõe fragorosa derrota às forças adversárias.
Durante a guerra do Paraguai foi ele quem organizou o corpo de voluntários da Pátria que partiu da então futura Terra do Bom Começo para a zona do conflito, sendo, por isso, agraciado com o título de Cavaleiro Imperial da Ordem da Rosa.
Dono de considerável fortuna, suas fazendas compreendiam largas extensões de terra nos municípios de Curaçá, Jaguarari, Campo Formoso e Senhor do Bonfim.
Em 1868 foi eleito deputado provincial pelo quarto distrito, do qual era sede Vila Nova da Rainha e, logo em seguida, teve o nome sufragado para deputado Geral na Corte, pela Província da Bahia. Durante o mandato parlamentar, tomou parte em discussões históricas como as que trataram da abolição da escravatura.
Afastado da política nos últimos anos do Império, foi, entretanto, um dos primeiros chefes políticos a aderir ao regime republicano instalado em 15 de novembro de 1889. Foi ele o “inspirador da adesão de Bonfim à República”, como bem pontua o douto ensaísta bonfinense Adolfo Silva. Sob sua liderança, foi organizada no dia 17 de novembro de 1889, concorrida passeata pelas ruas de Senhor do Bonfim, em apoio à nova forma de Governo. No dia 19 do mesmo mês, sempre sob sua orientação, teve lugar na Câmara de Vereadores a adesão oficial da Vila ao regime imposto por Deodoro da Fonseca. É o que se lê na ata que registrou aquela sessão memorável:
“O senhor presidente disse que tendo-se estabelecido no Rio de Janeiro um Governo provisório – que aboliu a Monarquia neste país ele convocara esta sessão extraordinária para deliberar-se sobre os últimos acontecimentos que mudaram radicalmente a forma de Governo da nação, e que consultava a opinião dos vereadores sobre a atitude a tomar-se nas atuais emergências. Que desde já manifestava sua opinião que é de plena adesão ao Governo Republicano, e que portanto os senhores vereadores que aderissem à mesma ideia se levantassem. Os vereadores levantaram-se todos demonstrando assim aderirem à ideia apresentada pelo senhor presidente o qual levantou-se e deu vivas à República”.
Posição diferente teve a capital baiana que, só depois de muito relutar, resolveu aderir às mudanças ocorridas na capital do país, dando-se posse ao primeiro Governador Republicano da Bahia, o médico Manoel Vitorino Pereira.
Instalado na Bahia o Governo da República, o natural é que dele tomassem parte os antigos líderes dos clubes republicanos: professores, estudantes, profissionais liberais, gente do povo, etc., que, desde os anos setenta daquele século XIX, debatiam-se na defesa do regime que, finalmente, se instaurou no Brasil em novembro de 89. Mas não foi o que aconteceu. Sem mudanças significativas nos rumos da política estadual, a Bahia continuou nas mãos das mesmas oligarquias, que no passado serviram de sustentáculo à ordem imperial.
A despeito de republicano de última hora, José Gonçalves foi, através de decreto de 2 de fevereiro de 1890, nomeado primeiro intendente municipal de Senhor do Bonfim, cargo que ocupou até 15 de outubro do mesmo ano, quando, por nomeação do Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, passa a assumir o Governo do Estado em substituição a Virgílio Clímaco Damásio. Em carta de 22 de outubro daquele ano, escreve ele ao Barão de Jeremoabo: “Já deves saber que, por desconto dos meus pecados, estou nomeado Governador da Bahia. A mim são passados quatro dias depois da comunicação da nomeação, e ainda parece-me que isso não passou de um sonho”.
Sua nomeação, conforme observou o historiador Antônio Ferrão Muniz de Aragão, chegou a causar estranheza, mas não despertou animosidade. “É que o novo governador – pontua Aragão – além de gozar da justa fama de homem de bem, vivia há muito afastado da atividade política, de forma que receios não existiam de que para o governo levasse ódios e paixões”.
Governador, a ele coube a tarefa de convocar a Assembleia Constituinte Republicana do Estado, não lhe faltando críticas pela forma pouco conciliadora, e um tanto autoritária, com que se portou em face de tal processo, desde as eleições parlamentares, até a instalação da Presidência da Mesa, quando, usando do prestígio do cargo, fez vencer o candidato da sua predileção, o senador Luiz Viana.
De todo modo, no dia 2 de julho de 1891, no mesmo dia da promulgação da Primeira Constituição Republicana da Bahia e com apoio dos líderes mais importantes do Partido Conservador, como Luiz Viana, rico proprietário de terras do município de Casa Nova e Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, chefe político e latifundiário, com larga influência em diversos municípios do sertão baiano e até em Sergipe, era o líder vilanovense eleito pelo voto da maioria dos constituintes, primeiro Governador Constitucional do Estado da Bahia.
Permanecendo à frente da administração pouco mais de um ano, Gonçalves limitou-se à manutenção da ordem, não contando seu governo com grandes iniciativas, além dos expedientes corriqueiros. É o que se depreende da leitura dos relatórios referentes àquele período, hoje constantes dos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Sua gestão, todavia, ostenta o mérito de haver contribuído para a consolidação do regime republicano, em nível estadual, num dos momentos mais conturbados da história política da Bahia.
As coisas iam de vento em popa a favor do governador até que um fato de alcance nacional mudou o curso das águas.
Quando em 3 novembro de 1891 o Marechal Deodoro da Fonseca, querendo afirmar sua autonomia sobre o Poder Legislativo, determina a dissolução do Congresso Nacional, José Gonçalves lhe emprestou apoio. A posição do Governador não agradou aos aliados, que esperavam uma atitude mais cautelosa por parte do Chefe do Executivo Baiano.
Mergulhado na primeira crise institucional do Governo Republicano e sem o apoio da nação, Deodoro acaba renunciando ao posto para dar lugar ao vice Floriano Peixoto que, imediatamente, retoma a ordem legal e restabelece o Poder Legislativo. Alçado ao poder, Floriano começa a caça às bruxas, fazendo derrocar, um a um, os governadores fiéis a Deodoro.
José Gonçalves era um desses.
No dia 24 de novembro de 91, ante a renúncia do marechal Deodoro e a ascensão ao poder de Floriano Peixoto, numerosa multidão, capitaneada pelo líder oposicionista, deputado Cézar Zama, reuniu-se em frente ao palácio do Governo para exigir o afastamento de José Gonçalves. Nesse mesmo ato público, e sempre sob o comando de Cézar Zama, constituiu-se comissão para ir ter com o Governador e obrigá-lo a deixar o cargo.
Versado nas letras gregas e latinas, cultor da história e contando com longos anos de vida pública, Zama conhecia a psicologia das massas e sabia tirar partido das situações mais insignificantes.
Aos emissários do parlamentar nascido em Caitité, José Gonçalves respondeu não “aquiescer àquela intimação, que não exprimia senão a vontade de uma fração muito limitada do povo da Capital, sem intervenção dos habitantes do centro”.
Diante disso, o líder da oposição dirigiu-se ao povo dizendo: “o momento é gravíssimo; ou viver ou morrer (...). Já que o Governador disse não entregar-se, nosso dever é ir até a residência de S. Exa. e intimá-lo a depor o governo nas mãos do povo”.
Após forte resistência, que redundou, inclusive, em dezenas de mortos e feridos, José Gonçalves acaba deposto do cargo, sendo sucedido pelo General Tude Soares Neiva, comandante do 13º Distrito Militar. Este, poucos dias depois, seria substituído pelo almirante Joaquim Leal Ferreira, então presidente do Senado Estadual**, ocupante da vaga deixada por Luiz Viana, o qual renunciou o comando da Casa para não assumir o posto deixado por Gonçalves, alegando não compreender “Governo sem força”.
Ocorre que pela Constituição Promulgada naqueles dias, era o presidente do Senado Estadual o substituto imediato do Chefe do Executivo. Político hábil e experiente, Viana aguardava eleger-se governador em circunstância mais estável, o que, de fato, ocorrerá cinco anos mais tarde.
No sertão, o fato inflamou os ânimos dos correligionários de José Gonçalves que, valendo-se das câmaras municipais e dos jornais de que eram proprietários, fizeram ecoar seu grito de protesto em apoio ao amigo e líder. Em pelo menos três municípios, Bonfim, Campo Formoso e Queimadas, tiveram lugar tais manifestações.
Em 1892, à frente os remanescentes do antigo Partido Conservador, é fundado na Bahia o Partido Republicano Federalista, sendo Gonçalves escolhido presidente da nova agremiação. Naquele mesmo ano, havendo lugar as eleições parlamentares, foi o ex-governador eleito Senador Estadual, cargo que renunciaria mais tarde, quando da cisão do partido que chefiava.
Em junho de 1893 ocorre o que há muito já se esperava. As divergências entre José Gonçalves e Luis Viana, em torno da limitação ou não da autonomia municipal, provocaram um racha no Partido Republicano Federalista, o que resultou na configuração de dois grupos rivais: o Vianista e o Gonçalvista. Essa cisão levaria ao surgimento de dois partidos políticos: o Partido Republicano Federal da Bahia, liderado por Viana e o Partido Republicano Constitucional, regido por Gonçalves e seu aliado, o também senador estadual Barão de Jeremoabo.
Naquele mesmo ano, foi o político bonfinense convidado por Floriano Peixoto para assumir o Ministério do Exterior, mas declinou do convite.
Derrotado em 94 no pleito para o Senado Federal, Gonçalves foi reeleito no mesmo ano senador estadual, num processo de escolha de todo inusitado. Postas as eleições, era a primeira vez que os dois grupos rivais iriam medir suas forças num pleito de nível estadual e nenhum deles poderia fraquejar. Do contrário seria alijado do poder. No momento da apuração, apesar dos esforços de fiscalização empreendidos por ambas as partes, nenhuma das facções ligou para o resultado das urnas, “empanturrando de votos os seus candidatos e dando-os como eleitos,” como recorda o já mencionado historiador Antônio Ferrão Moniz de Aragão.
Tal procedimento levou a uma duplicata de atas eleitorais, lavradas a bico de pena, que geraram a duplicata de diplomas e, por conseguinte, a duplicata do Poder Legislativo – Assembleia e Senado. De forma que a Bahia passou a ter dois Legislativos atuando paralelamente. Um, liderado pelos governistas, tendo à frente Luis Viana; o outro, pela oposição capitaneada por José Gonçalves e seu fiel escudeiro, Cícero Dantas Martins.
Essa mesma situação repetir-se-ia em 1895, desta feita em relação ao Executivo. O Governador Rodrigues Lima se afastou do Governo por motivos de saúde, cabendo ao presidente do Senado Estadual suprir a vacância do cargo. Como havia dois senados e, consequentemente, dois presidentes reivindicando o mesmo posto, acabou por proceder-se também à dualidade do Poder Executivo. Assim, de 18 de outubro a 20 de dezembro de 95, a Bahia operou com dois chefes do Executivo (o Barão de Jeremoabo e o Barão de Camaçari). O impasse só se resolveu quando Lima retornou ao Governo.
Àquela altura, a carreira política de Gonçalves já havia chegado ao declínio. Alijado do poder e sem o prestígio político de outrora, o ex-líder conservador, sempre ao lado do amigo fiel, o barão de Jeremoabo, ainda tentou, mas não conseguiu se reerguer. Recolhido em 1907 no feudo das Piabas, faleceu em 15 de agosto de 1911. Ali mesmo foi enterrado, servindo-se de húmus para a terra que lhe conferiu prestígio, fortuna e poder.
Odiado por uns, mas admirado por outros, dele disse o Barão de Cotegipe: “no meio de tantas fraquezas e misérias, consola ver-se que ainda há homens de caráter”.
Também Ruy Barbosa deixaria consignada sua apreciação a respeito do líder vilanovense: “verdadeira capacidade de estadista, cuja cultura não comum tão mal julgada pelos que vêem de longe o espesso esmalte de sua modéstia, não consegue encobrir aos que o tratam”.
Passada, contudo, a fase gloriosa de sua trajetória pública, o velho caudilho desabafa em carta dirigida ao amigo Jeremoabo: “Política é isso mesmo. Ninguém se lembra do companheiro, que estropiado, ou exausto de forças, ficou na estrada e eu me considero neste número”.
Isto render-lhe-ia um bom epitáfio...
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Notas
* Fundado em 1836, durante a regência de Feijó, o Partido Conservador reunia grandes proprietários de terra, ricos comerciantes e altos funcionários do Governo. Tendo por plataforma política a defesa do poder central, a conservação do trabalho escravo e a manutenção da economia agrário-exportadora, tal agremiação alternou com seu opositor, o Partido Liberal, o comando da presidência do conselho de ministros do Império, desde o período regencial até o ocaso da Monarquia em 1889.
** Em consonância com a Constituição Federal Republicana de 1891, que conferia a cada Estado a liberdade de organizar seu poder legislativo, a Bahia optou pelo bicameralísmo, reproduzindo o modelo da União, com Câmara e Senado. Assim, contando com vinte e uma cadeiras, o Senado Estadual da Bahia operou de 1891 até 1930, quando foi extinto pelo Estado Novo de Getúlio Vargas.
Texto muito bem redigido.
ResponderExcluirDr jose goncalves avó de meu pai
ResponderExcluirConsequentemente meu bisavô
Gostaria de saber sobre sua família, sua esposa, e filhos
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